Se me fosse dado ter o dom completo de escritor,
eu havia de ser assim um Rousseau, ao meu jeito,
pregando à massa um ideal de vigor, de violência,
de força, de coragem calculada, que lhes corrigisse
a bondade e a doçura deprimente. Havia de saturá-las
de um individualismo feroz, de um ideal de ser como aquelas
trepadeiras de Java, amorosas de sol, que coleiam
pelas grossas árvores da floresta e vão por ela acima
mais alto que os mais altos ramos para dar afinal
a sua glória em espetáculo.
Lima Barreto
Foi me dado querer ser escritor
E eu só quero ser assim um Lima Barreto
Ao seu jeito ao meu tempo
Despejando meus sentimentos íntimos
Pregando diretamente o cotidiano suburbano
O vigor a violência a força a coragem calculada
Que agride a bondade inócua
Que extirpa a doçura deprimente
Que extermina a cordialidade bestial
Foi e dado querer ter o vigor de Lima Barreto
Meu texto quer mesmo ser o fardamento de meu eito
A gramática de minha Ira
A poética da cor e do afastamento
Estaca afiada fincada no peito fidalgo do mal
Mancha de piche no assoalho do mármore de carrara infernal
Madeira enegrecida do ébano nos jardins das rosas funestas
Foi me dado querer inspirar-me só no vigor de Lima Barreto
Grafar o calor do sol de séculos de transplantes e desenraizamentos
Ele, mais alto a cada dia
Ele, superando as raízes podres desta selva vadia
Ele, acima dos ramos rasteiros
Ele, o galho mais frondoso
O tronco mais robusto
Dando afinal a sua glória em espetáculo
Nelson Maca (Telêmaco Borba(PR), 1965), em Gramática da Ira - Blackitude, 2015.
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