DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

25/02/2018

Hermann Broch e as palavras



 
Oh, cada um está ameaçado pelas palavras indomáveis de seus tentáculos, pela ramagem das palavras, pelas palavras de ramo que se enredando entre si o enredam, que crescem disparadas cada uma para o seu lado, e tornando
a retorcerem-se umas nas outras, demoníacas em sua individualização, palavras de segundos, palavras de anos, palavras que se entrelaçam na trama do mundo, na trama
dos tempos, incompreensíveis e impenetráveis em sua rugiente mudez.
 
Hermann Broch Viena(Áustria) 1886-1951, em A morte de Virgílio.

22/02/2018

Palavra



 
Dizer a última palavra sobre o assunto é
menosprezar a potencialidade do assunto.
 
A palavra e o ato vivem em conflito,
e este geralmente vence.
 
As palavras fogem quando precisamos delas
e sobram quando não pretendemos usá-las.
 
O poeta lança a palavra que ninguém usará,
e orgulha-se disto.
 
Carlos Drummond de Andrade em O avesso das coisas
 
*****
 
não existem palavras
finais
toda palavra
é
começo
esse poema não tem
fim
é o meio
 
há um sol
dentro de
cada palavra
 
todos os dias
abro janelas
para iluminar
a língua
 
Ramon Nunes Mello - Araruama(RJ)
 
*****
 
Quantas palavras constituem uma língua?
De boca em boca alimentam ideias, distorcem
pensamentos, distorcem fatos, difundem opiniões.
Abra a boca, solte as palavras que estão presas
em sua garganta.
GRITE, se preciso for!

16/02/2018

 

houve dias, há dias em que a covardia é a única
nudez possível. Há dias como hoje
em que a pátria, embora continue sendo o último refúgio
dos canalhas, é sobretudo
um destino (eu ia dizer feudal) da nossa tristeza.

sim, talvez uma estranha insônia nasça
desse instante em que, mais do que pernilongos
descobre-se parasitas reais
procurando sangue pela casa.

mas há dias em que a covardia é o café do poeta.
e há dias em que a poesia é o café do covarde.

e de novo, assim que o Rio e seus mendigos
tanto quanto os veranistas de Miami
acordarem ao som das panelas –
agora um tanto mais metálicas que este pequeno sol
de subúrbio – veremos do que são feitas
as palavras, de que carne nasce
o estranho fanal que move a fome.

talvez não sobre outro som além dos caminhões
nos canteiros olímpicos lembrando quão próximos
e quão far away estamos from Greece.

talvez não sobre outro som senão
(como na câmara anecoica de John Cage)
o deplorável coração do mundo.

e quando digo Grécia e digo mundo
espero não soar tão épico que não se possa
figurar a espécie de mediocridade
que elegi para não cair em desconforto.

no fim talvez queira não encontrar
um começo possível para este dia, nem torço
para que depressa se precipite noutra era geológica
ainda mais estúpida, ou menos, apenas
espero conseguir frequentar os mesmos mercados
que o resto da gente
sem olhar pro chão nem pro céu, procurando
entender o ponto médio
em que o macaco ciosamente descobriu
(não o fogo) a aspirina
 
Marcelo Reis de Mello - Curitiba(PR), 1984

10/02/2018

EVOÉ BACO!

Quero beber! Cantar asneiras
no esto brutal das bebedeiras
que tudo emborca e faz em caco...
Evoé Baco!



 
 
Lá se me parte a alma levada
no torvelinho da mascarada,
a gargalhar em douro assomo...
Evoé Momo!

 
 
Lacem-na toda, multicores,
as serpentinas dos amores,
cobra de lívidos venenos...
Evoé Vênus!



 
 
Manuel Bandeira - Recife(PE), 1886-1968


04/02/2018

Vale a pena sonhar!

 



Eu não quero falar de crápulas
Gente que rouba dinheiro da merenda escolar
Frauda licitações de medicamentos
Tira proveito dos salários de aposentados
Compra votos e consciências para se eleger
Usa o poder da mídia para mentir e enganar as pessoas
NÃO! Não quero gastar meu verso com eles
NÃO VALEM A PENA!
É ESCÓRIA HUMANA DA PIOR ESPÉCIE
SÓ MERECEM CADEIA! CADEIA! CADEIA!
 Quero falar do pai de família
De bicicleta às 6,30 da manhã
Indo levar dois filhos à escola.
Ele é real! Passa em frente a minha casa
Todo dia!
Da mãe que acorda às quatro
para deixar a comida pronta
e o filho na creche antes do trabalho
De quem se arrisca no mar para trazer
o seu e o nosso alimento.
De quem se desdobra em uma sala de aula
para educar os nossos filhos
Dos que pegam a condução ou dirigem
por horas, cansados, estressados
com fome, atravessando
os perigos da cidade.
De quem cuida da saúde de outros
de quem constrói
Da criança e do jovem que levantam cedo
e caminham por horas ou pegam barco, ônibus, trem
dispostos a aprender e crescer na vida.
Quero falar daqueles que organizam os sonhos individuais
em sonhos coletivos
Dos que reúnem, juntam, tomam a frente
Buscando caminhos não só para sí.
Daqueles que estão na frente da batalha
e pagam caro por isso
Muitos com a própria vida.
Dos que ajudam a transformar sonhos em planos
e planos em políticas
Ampliando as possibilidades de concretizar
o sonho de todos e de cada um
 
É a vocês que eu dedico o meu verso
embora seja pouco
È a vocês que eu louvo
É a vocês que eu canto
e digo
 
VALE A PENA SONHAR!
 
Helena Lutescia, doutora em Farmácia, e poeta.