DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

09/03/2019

Hora de voar




O poema depois de pronto
ainda luta com o poeta
e vai crescendo na gaveta,
onde não cabe uma esperança.

Cresce em seguida no meu bolso,
muito menor para contê-lo.
O poema, depois de pronto,
quer-se mostrar, como as crianças.

Fica assustado no casaco
e parece que tem meus olhos.
(Eu lhe acendi o último fósforo
às duas horas da manhã.)

Dentro de mim se move alguém
sempre a julgar-se muito alto,
mas fica na ponta dos pés
quando procura ser notado.

Salva-me na Terra este grande
pudor de mostrar o poema,
como se fosse uma das partes
mais verdadeiras do meu corpo.

*****

Casa vazia

Poema nenhum, nunca mais será um acontecimento:
escrevemos cada vez mais
para um mundo cada vez menos,

para esse público dos ermos
composto apenas de nós mesmos,
uns jõoes batistas a pregar
para as dobras de suas túnicas
seu deserto particular,

ou cães latindo, noite e dia,
dentro de uma casa vazia.

Alberto da Cunha Melo, jornalista, sociólogo e poeta. Jaboatão dos Guararapes(PE)1942-2007.

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