Atravessamos tempos calamitosos
impossível falar sem incorrer em crime de contradição
impossível calar sem se tornar cúmplice do Pentágono. Sabe-se perfeitamente que não há alternativa possível
todos os caminhos levam a Cuba
mas o ar está sujo
e respirar é um ato falho.
O inimigo diz
que o país tem toda a culpa
como se os países fossem homens.
Nuvens malditas revoluteiam em torno de vulcões malditos embarcações malditas empreendem expedições malditas
árvores malditas se desfazem em pássaros malditos:
tudo contaminado de antemão
***
Telegramas
Deixem de conversa mole
Aqui ninguém tem o rabo preso.
Mas para que diabos eu escrevo?
Para que me respeitem e me queiram
Para cumprir com deus e com o diabo
Para deixar registro de tudo.
Para chorar e rir ao mesmo tempo
Em verdade em verdade
Não sei pra que diabos escrevo:
Suponhamos que escrevo por inveja
Vai saber quem criou as estrelas
Vai ver o sol é uma mosca
Vai ver o tempo não transcorre
Vai ver a terra não se move.
Nicanor Parra (Chile, 1914-2018) em Só para maioresde cem anos - antologia(anti)poética
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