DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

13/03/2021

Das cinzas




Na penúltima hora do último dia de nossas vidas será encontrado um saco cheio de palavras desusadas, deterioradas, misturadas com alguns embriões sobre os ombros de um anônimo caboclo sertanejo: aquele que jamais teve voz nem vez; de olhos arregalados de fome percorre um caminho sob o peso do silêncio, temendo perder sua identidade. A chuva, os rios e peixes, a densa floresta, berço das plantações de feijão, arroz, milho, tudo em vias de extinção. Ele e os seus, tragados e sufocados por esse imenso saco de pandora.                                               Lá fora passa uma noite morna e lenta, sufocante e sem estrelas, enquanto pelo meu corpo escorre um suor quente e salgado; do sangue nas veias por lâminas cortado, transbordam rios de palavras repetidas ad eternum. Acaricio meus cabelos numa tentativa de ativar meus neurônios; não há qualquer resquício de brisa, o vento foi soprar na boca do vulcão, que enfurecido, engole, devora todas as palavras até transformá-las em cinza, para que renasçam outra vez.

Nenhum comentário:

Postar um comentário