DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

08/03/2021

Um fio de conto

 




Caminhando pelas ruas da linguagem deu-se conta de que embora andasse por elas desde muito cedo, pareciam-lhe estranhas, não conseguia decifrá-las; às vezes passava dias num silêncio sem fim; voz e corpo desencontrados coabitando as mesmas palavras, partilhando o mesmo alfabeto, os mesmos sonhos atravessados na garganta.                        Tentava entender a linguagem dos pássaros, - onde estaria a sua? Por que balbuciava sempre a mesma coisa? As ruas da linguagem, dizia para si, são amplas como as de uma avenida, costumam ter mão dupla. Ao girar a cabeça percebeu que estava numa encruzilhada que se bifurcava em várias ruelas estreitas, de mão única. E aquela mão tinha dedos longos como galhos secos, sem folhas: era um livro de muitas estórias, de páginas avulsas espalhadas pelo chão. Soprava um vento forte, as folhas voavam para o alto, em todas as direções, como se quisessem alcançar os pássaros. E voavam as páginas, as palavras, as estórias, os pássaros e os sonhos contidos naquela mão que a conduzia para um labirinto.

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