" o tirano nunca ama e nunca é amado. A amizade é um sentimento sagrado, uma coisa santa. Só existe entre pessoas de bem. Nasce da estima mútua e se alimenta não tanto dos benefícios quanto dos bons costumes. O que dá a um amigo a certeza da amizade do outro é o conhecimento de sua integridade. Tem como garantias sua bondade natural, sua fidelidade, sua constância. Não pode haver amizade onde se encontrem a crueldade, a deslealdade, a injustiça. Quando os maus se reúnem há uma conspiração, não uma sociedade. Não se amam, mas se temem. Não são amigos, mas cúmplices. Mas, mesmo que não fosse assim, seria difícil encontrar um amor sincero num tirano, porque, estando acima de todos e não tendo companheiros, já estaria além dos limites da amizade. Esta floresce na igualdade, desenvolve-se sempre igual e nunca pode falhar. É por isso que existe, como dizem, uma espécie de boa-fé entre os ladrões no momento de repartir o butim, porque então todos são iguais e companheiros. Embora não se amem, pelo menos se temem. Não querem, com sua desunião, diminuir sua força. Mas os favoritos de um tirano nunca podem contar com ele, porque aprenderam que pode tudo, que nenhum direito nem dever o obriga, que está acostumado a não ter nenhuma lei além de sua própria vontade, e nenhum companheiro, por ser senhor de todos. Não é lamentável que, com tantos exemplos evidentes, sabendo que o perigo, está tão presente, ninguém queira aprender a lição das misérias de outros e que tantas pessoas se aproximem ainda tão naturalmente dos tiranos? "
Étienne de La Boétie, filósofo, poeta e escritor francês (1530-1563), em " Discurso da servidão voluntária".