Parece que foi ontem.
Tudo parecia alguma coisa.
O dia parecia noite.
E o vinho parecia rosas.
Até parece mentira,
tudo parecia alguma coisa.
O tempo parecia pouco, e a gente parecia muito.
A dor, sobretudo,
parecia prazer.
Parecer era tudo
que as coisas pareciam fazer.
O próximo, eu mesmo.
Tão fácil ser semelhante,
quando eu tinha um espelho
pra me servir de exemplo.
Mas vide versa e vide a vida.
Nada se parece com nada.
A fita não coincide
com a tragédia encenada.
Parece que foi ontem.
O resto, as próprias coisas contem.
*****
O par que me parece
Pesa dentro de mim
o idioma que não fiz,
aquela língua sem fim
feita de ais e de aquis.
Era uma língua bonita,
música, mais que palavra,
alguma coisa de hitita,
praia do mar de Java.
Um idioma perfeito,
quase não tinha objeto.
Pronomes do caso reto,
nunca acabavam sujeitos.
Tudo era seu múltiplo,
verbo, triplo, prolixo.
Gritos eram os unidos, o resto ia pro lixo.
Dois leos em cada pardo.
Dois saltos em cada pulo,
eu que só via a metade,
silêncio, está tudo duplo.
Paulo Leminski - Curitiba(PR) - 1944-1989.
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