Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana
mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontre-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado,
e o leão comeu nós dois.
Depois fui pirata mouro
flagelo de Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria do meu bergantim.
Mas quando ía te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal da cruz
e rasgou o peito a punhal.
Me suicidei também.
Depois(tempos mais amenos)
fui cortesão de Versalhes,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.
[.....]
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e segunda classe)
Os desiludidos seguem iludidos
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão obrilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
Carlos Drummond de Andrade, em Alguma poesia. 1930.
Nenhum comentário:
Postar um comentário