Agora a nossa realidade se desmorona. Despencam-se deuses, valores, paredes...Estamos entre ruínas. A nós, poetas destes tempos, cabe falar dos morcegos que voam por dentro dessas ruínas.. Dos restos humanos fazendo discursos sozinhos nas ruas. A nós, cabe falar do lixo sobrado e dos rios podres que correm por dentro de nós e das casas. Aos poetas do futuro caberá a reconstrução - se houver reconstrução. Porém, a nós, a nós sem dúvida - resta falar dos fragmentos, do homem fragmentado que, perdendo suas crenças, perdeu sua unidade interior. É dever dos poetas de hoje falar de tudo que sobrou das ruínas - e está cego. Cego e torto e nutrido de cinzas. (...) E se alguma alteração tem sofrido a minha poesia, é a de tornar-se em cada livro, mais fragmentária. Mais obtida por escombros. Sendo assim, cada vez mais, o aproveitamdento de materiais e passarinhos de uma demolição.
* Trecho de uma entrevista que Manoel de Barros (Corumbá-MS, 1916-2014) concedeu à revista Grifo - 1970-1980.
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