DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

11/01/2024

A Noite dissolve os homens *






Dias. Noites sem fim.

 Medo paralisante e uma coragem desenfreada mas esmorecida.

 Vida e morte bem juntinhas para não perder o costume...

Dias asfixiados e asfixiantes para noites escuras.

 Solidão branca, tão solar que cega o entorno; o óbvio beirando o banal, 

 lugar comum de dois, de milhares, de milhões de ilhas, de arquipélagos

 humanos... !


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A noite dissolve os homens


A noite desceu. Que noite!

Já não enxergo meus irmãos.

E nem tampouco os rumores

que outrora me perturbavam.

A noite desceu. Nas casas,

nas ruas onde se combate,

nos campos desfalecidos,

a noite espalhou o medo

e a total incompreensão.

A noite caiu. Tremenda,

sem esperança...Os suspiros

acusam a presença negra

que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho

na noite. A noite é mortal,

completa, sem reticências,

a noite dissolve os homens,

diz que é inútil sofrer,

a noite dissolve as pátrias,

apagou os almirantes

cintilantes! nas suas fardas.

A noite anoiteceu tudo...

O mundo não tem remédio...

Os suicidas tinham razão.


Aurora,

entretanto eu te diviso, ainda tímida,

inexperiente das luzes que vais acender

e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,

adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,

teus dedos frios, que ainda se não modelaram

mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.


Minha fadiga encontrará em ti o e termo,

minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam

os corpos hirtos adquirem uma fluidez,

uma inocência, um perdão simples e macio...

Havemos de amanhecer. O mundo

se tinge com as tintas da antemanhã

e o sangue que escorre é doce, de tão necessário

para colorir tuas pálidas faces, aurora.


* Carlos Drummond de Andrade, em Sentimento do Mundo


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