Vida Obscura
Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto de prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.
Atravessaste no silêncio escuro
A vida presa a trágicos deveres
E chegaste ao saber de altos saberes
Tornando-te mais simples e mais puro.
Ninguém te viu o sentimento inquieto,
Magoado, oculto e aterrador, secreto.
Que o coração te apunhalou no mundo.
Mas eu, que sempre te segui os passos,
Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro como foi profundo!
Post Mortem
Quando do amor das Formas inefáveis
No teu sangue apagar-se a imensa chama
Quando os brilhos estranhos e variáveis
Esmorecerem nos troféus da Fama.
Quando as níveas estrelas invioláveis,
Doce velário que um luar derrama,
Nas clareiras azuis ilimitáveis
Clamarem tudo que o teu Verso clama
Já terás para os báratros descido,
Nos cilícios da Morte revestido,
Pés e faces e mãos e olhos gelados...
Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas
Pelo alto ficarão de eras supremas
Nos relevos do Sol eternizados!
* João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro, atual Florianópolis (SC), em 1861. Era filho de escravos alforriados. Foi jornalista, professor e poeta simbolista. Faleceu em 1898 vítima de tuberculose.
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