DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

20/11/2024

Cruz e Sousa, o "poeta negro" *


 


Vida Obscura


Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro

Ó ser humilde entre os humildes seres.

Embriagado, tonto de prazeres,

O mundo para ti foi negro e duro.


Atravessaste no silêncio escuro

A vida presa a trágicos deveres

E chegaste ao saber de altos saberes

Tornando-te mais simples e mais puro.


Ninguém te viu o sentimento inquieto,

Magoado, oculto e aterrador, secreto.

Que o coração te apunhalou no mundo.


Mas eu, que sempre te segui os passos,

Sei que cruz infernal prendeu-te os braços

E o teu suspiro como foi profundo!


Post Mortem


Quando do amor das Formas inefáveis

No teu sangue apagar-se a imensa chama

Quando os brilhos estranhos e variáveis

Esmorecerem nos troféus da Fama.


Quando as níveas estrelas invioláveis, 

Doce velário que um luar derrama,

Nas clareiras azuis ilimitáveis

Clamarem tudo que o teu Verso clama  


Já terás para os báratros descido,

Nos cilícios da Morte revestido,

Pés e faces e mãos e olhos gelados...


Mas os teus Sonhos e Visões e Poemas

Pelo alto ficarão de eras supremas

Nos relevos do Sol eternizados!


* João da Cruz e Sousa nasceu em Desterro, atual Florianópolis (SC), em 1861. Era filho de escravos alforriados. Foi jornalista, professor e poeta simbolista. Faleceu em 1898 vítima de tuberculose.

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