DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

25/06/2012

A saudade


A saudade está queimando na panela.
Impotente, assisto ao espetáculo.
Alguém bateu à porta.
O cheiro sobe pelos telhados,
Invade tudo.
A saudade está queimando lá dentro,
Arrebentando as narinas,
Punindo a consciência de hoje,
De tudo que poderia ter sido.
A vizinhança acode,
A vizinhança faz fila,
A vizinhança quer apagar o fogo,
Quer entender minha letargia,
Meu pânico passivo,
Minha impunidade auto-afirmativa,
Minha lição de recolhido silêncio,
Minha música instrumental,
Meu show da vida,
Meu afogamento em cheiros,
Em arrogância de panela queimada.
A saudade, assombrada,
Foge evaporada em negrumes,
Despede-se entre a multidão,
E os nomes vagam em lumes negros,
Despertando a curiosidade das mulheres
Que arrastam filhos pelas saias.
A saudade vai embora de vez,
E me deixa na paz das panelas vazias,
Dos dias sem vizinhança desperta.
Eu, quieta num canto da cozinha,
Vejo-me na ociosidade dos espaços ocupados.
Raspo a panela queimamda, passo bombril, areio,
Areio, depois de brilhosa, ponho na janela pra secar ao sol.
E sigo: vez ou outra, a panela volta pra queima.
E a vizinhaça se alegra.
Rita Santana, em Tratado das veias . Ritinha, como é carinhosamente chamada pelos amigos, é natural de Ilhéus(BA). Além desse Tratado que reúne vários dos seus poemas, essa talentosa poeta também tem puclicado o livro de contos Tramela . Também participa com outras poetas da Bahia de uma coletânea de poemas e contos do livro Mão cheia.
É editora do blog http://barcacas.blogspot.com

Um comentário:

  1. UN TEXTO LLENO DE IMÁGENES QUE TRASLADAN RECUERDOS.
    UN ABRAZO

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