“Ó corpo meu, que me lembrais o temperamento de minha índole, o equilíbrio de vossos órgãos, as justas proporções de vossas partes, que vos fazem existir e vos restabelecem no seio das coisas moventes, vigiai minha obra; ensinai-me silenciosamente as exigências da natureza; comunicai-me essa grande arte da qual sois feito, da qual sois dotado, de sobreviver às estações e de vos refazer dos acasos. Que eu encontre em vossa aliança o sentimento das coisas verdadeiras; moderai, fortalecei, assegurai, meus pensamentos. Perecível que sois, vós o sois bem menos que os meus sonhos; perdurais mais que uma fantasia; [...] Instrumento vivo da vida, sois para cada um de nós o único objeto que se compara ao universo. [...] Sois verdadeiramente a medida do mundo, do qual minha alma apresenta-me apenas o exterior. Ela [a alma] o concebe sem profundidade, e tão futilmente, que por vezes se engana, contando-o entre seus sonhos; [...] Enfatuada de suas efêmeras fabricações, crê-se capaz de uma infinidade de realidades diferentes; imagina existirem outros mundos; mas vós a chamais de novo a vós mesmos, como a ãncora a si, o navio...Mas possa a obra que agora quero fazer, obrigar-nos a nos responder e surgir unicamente de nosso entendimento! [...]Cumpre agora que corpo e alma se unam em uma construção bem ordenada."
Paul Valéry