DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

29/01/2015

Mais-Valia


 
 
Ou júbilo congelado,
que colecionei, colecionei de amostra.
 
Os copos sobre minha prateleira
gostam de luz lateral; nem todos em vidro da Boêmia.
 
Todo dia, dois são especiais.
Tanto amor prestes a virar caco.
Fôlego lá do fundo, que não quebrou.
Assim sobrevive anônimo.
 
Ar e sua mais-valia:
os sopradores de vidro, lê-se, não ficaram velhos.
 
 
***
 
 
Três perguntas
 
 
Como posso,
onde o horror deveria fundir-se em chumbo,
rir,
já rir no café da manhã?
Como poderia
onde cresce lixo, somente o lixo,
falar de Ilsebil, porque ela é bonita,
e falar sobre a beleza?
Como querer,
lá onde a mão sobre a foto
fica até o fim sem arroz,
escrever sobre a cozinheira;
de como ela recheia gansos cevados?
 
Os fartos entram em greve de fome.
O lixo bonito.
É de morrer de rir, isso.
 
Procuro uma palavra para vergonha.
 
 
 
Günter Grass, em O Linguado

27/01/2015

Tempos difíceis




Tempos difíceis de sorumbáticas tecnologias que amealham cabeças ameaçam vidas guilhotinam ideias multiplicando solidões. Cada era tem o seu pensar todo passado é uma semente que floresce na estreita faixa da escrita como franjas de palavras que navegam através da história.

23/01/2015

Fragmentos de memória




Na esquina do tempo encontra-se a memoria de algo que poderia ter acontecido. Uma fina camada recobre os caminhos da solidão pontilhados de pedras sobre um pátio perdido  entre sombras e silêncios.
Nunca mais o salto no escuro, apenas o uivo salta da pele quase opaca.
Que fale a dor, que grite a tristeza. - Deixa!
Palavras pétreas que saltam sobre o leito do papel-tela esboço de imagens que correm deixando um manto de reminiscências: perguntas sem respostas - um estrangeiro que em sua terra vagueia à procura da palavra inominada, indizível, a raiz de todas as coisas.

21/01/2015

Papagaios!!!


 
 
Um pé, dois pés, três pés, quatro mãos, sete, dez, zilhões de cabeças espremidas num longo corredor fechado. Tudo zipado, seguro - só entra quem tiver permissão para - todos se falam, ninguém se comunica. É beijo pra cá, meu amor pr'acolá, te adoro e coisa e tal, mas não me contradiga, não me aborreça, não me contrarie, criticar? nem pensar! Todos conhecem a mesma cartilha, cantam e rezam a mesma cantilena num círculo vicioso sem fim.
 
Os papagaios, pelo menos, são coloridos e engraçados!

18/01/2015

Comportas





As águas que me cabiam rebentaram na noite alta seguindo a lua através do tempo. O vento soprava apressado acelerando o movimento do tempo desequilibrando seus passos trôpegos. Das comportas rebentaram tormentas devastando tudo que havia em volta: restaram apenas pés rachados como o solo seco do sertão.

Ao longe avista-se um mar revolto que esconde entre suas dobras velhos segredos que se renovam a cada instante. O vai e vem de suas ondas murmurantes entoam canções bordam lençóis que acalentam nossos sonhos arrastando para longe os pensamentos tenebrosos.

Tudo agora é espuma flutuante e as águas que me cabiam correram para aquele mar em cujas águas sangra e singra a barca da ilusão

14/01/2015

O ateliê de Alberto Giacometti

Alberto Giacometti em seu ateliê


"E o mundo visível é como é, nunca através de nossa ação chegaremos a transformá-lo noutro. Nostálgicos, porém, sonhamos um universo onde o homem em vez de agir tão furiosamente sobre a aparência visível, se aplique no destruí-la, não apenas negando a ação, mas despojando-se o bastante para por a nu o ponto secreto, dentro de si, a partir do qual seja possível aventura humana outra. mais efetivamente moral, sem dúvida.'
 
 
Jean Genet

11/01/2015

"O país dos sonhos'



 
Era um imenso acampamento ao ar livre.
Das cartolas dos magos brotavam alfaces cantoras e pimentões luminosos, e por todas as partes havia gente oferecendo sonhos para trocar. Havia os que queriam trocar um sonho de viagem por um sonho de amor; e havia quem oferecesse um sonho para rir em troca de um sonho para chorar um pranto gostoso.
Um senhor andava ao léu buscando os pedacinhos de seu sonho, despedaçado por culpa de alguém que o tinha atropelado: o senhor ía recolhendo os pedacinhos e os colava e com eles fazia um estandarte cheio de cores.
O aguadeiro de sonhos levava água aos que sentiam sede enquanto dormiam. Levava a água ns costas, em uma jarra, e a oferecia em taças altas.
Sobre uma torre havia uma mulher, de túnica branca, penteando a cabeleira, que chegava a seus pés. O pente soltava sonhos, com todos os seus personagens: os sonhos saíam dos cabelos e íam embora pelo ar.

***

A ventania

Assovia o vento dentro de mim.
Estou despido. Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara.
 
 
Eduardo Galeano, em O Livro dos Abraços

08/01/2015

Paraísos

?
 
 
Maragogi-AL
 
 
Lagoa do Portinho-PI
 
 
Porto da Pedra-AL
 
 
Jauá-BA
 
 
Joaquina-SC
 
 
Itaparica-BA
 
 
Ilha do Mel-PR
 
 
Geriba-RJ
 
 
Garopaba-SC
 
 
Cumbuco-CE
 
 
Canoa Quebrada-CE
 
 
Camocim-CE
 
Fernando de Noronha-PE




05/01/2015

Dylan Thomas

Adel Abdessemed

 
Poesia é aquilo que me faz rir, chorar ou uivar; aquilo que me arrepia as unhas do dedo do pé, o que me leva a desejar fazer isso ou aquilo, ou nada.
 
***
 
Tudo o que importa é o eterno movimento que há por trás da poesia, a vasta corrente subterrânea da dor, da loucura, da pretensão, da exaltação ou da ignorância humana, por mais sublime que seja a intenção do poeta.
 
***
 
O meu processo criativo consiste numa ininterrupta construção e destruição de imagens que saem do núcleo central que é, ao mesmo tempo destruidor e construtor.

03/01/2015

Não vale nada



 

A vida vista do alto é minúscula
quase nada.
Vista por baixo é escura
quase invisível
 
A vida na vertical é arbitrária
parcial, enviesada
Vista de lado passa
ao largo, é estreita
 
A vida quando se deita mergulha
no submundo dos
supostamente justos
 
Revela-se em preto e branco
 se a olharmos de frente:
nua e crua -
  ah,  Vida!