Entrou no asilo de pobres com cento e sete anos. O tempo foi passando. Ela o enchia, ao tempo, vivendo. Não tinha outra coisa mais a fazer. E lá está ainda hoje - com cento e quinzes anos. Cada vez menor, cada vez mais sucinta. Cento e quinze anos era muita idade: "tem certeza de que ela não está enganada ou mentindo ou que já não pensa bem?', indaguei. A pessoa disse que também tivera dúvidas, mas lhe haviam afiançado que, embora sem documentos, era isso mesmo. E uma das provas estava no fato da presença, nesse mesmo asilo, de um velho de oitenta e dois anos, conterrâneo da velhinha de cento e quinze. E que fora por ela amamentado... A mãe do velhinho não tivera leite, ele fora nutrido pela velhinha, então farta e jovem. e ali, no mesmo asilo, está o amamentado que não me deixa mentir.
Quem sabe, uma velhice solitária e despreocupada era o seu ideal, quem sabe se ele estava querendo sua liberdadezinha, seus, - amamentado e dominado a vida toda ´resmungos sem palavras, uma vida de pardal pousando em banco de praça.
Clarice Lispector - Curadoria Roberto Corrêa dos Santos - Rocco
MUY INTERESANTE!
ResponderExcluir