DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

31/10/2015

Os velhos


 
 
Todos nasceram velhos - desconfio.
Em casas mais velhas que a velhice,
em ruas que existiram sempre - sempre
assim como estão hoje
e não deixarão nunca de estar:
soturnas e paradas e indeléveis
mesmo no desmoronar do Juízo Final.
Os mais velhos têm 100, 200 anos
e já se perde a conta.
Os mais novos dos novos,
são menos de 50 - enormidade.
Nenhum olha pra mim.
A velhice o proíbe.
Quem autorizou
existirem meninos neste largo municipal?
Quem infringiu a lei da eternidade
que não permite recomeçar a vida?
Ignoram-me. Não sou. Tenho vontade
de ser também um velho desde sempre.
Assim conversarão
 comigo sobre coisas
seladas em cofre de subentendidos
a conversa infindável de monossílabos, resmungos,
tosse conclusiva.
Nem me veem passar. Não me dão confiança.
Confiança! Confiança!
Dádiva impensável
nos semblantes fechados
nos felpudos redingotes,
nos chapéus autoritários,
nas barbas de milênios.
Sigo seco e só, atravessando
a floresta dos velhos.
 
 
Para o sexo a expirar
 
 
Para o sexo a expirar, eu me volto, expirante.
Raiz de minha vida, em ti me enredo e afundo.
Amor, amor, amor - o braseiro radiante
que me dá, pelo orgasmo, a explicação do mundo.
 
Pobre carne senil, vibrando insatisfeita,
a minha se rebela ante a morte anunciada.
Quero sempre invadir essa vereda estreita
onde o gozo maior me propicia a amada.
Amanhã, nunca mais. Hoje mesmo, quem sabe?
enregela-se o nervo, esvai-se-me o prazer
antes que, deliciosa, a exploração acabe.
 
Pois que o espasmo coroe o instante do meu termo,
e assim possa eu partir, em plenitude o ser,
de sêmen aljofrando o irreparável ermo.
 
(extraído de O amor natural)
 
A outra porta do prazer
 
 
A outra porta do prazer,
porta a que se bate suavemente,
seu convite é um prazer ferido a fogo
e, com isso, muito mais prazer.
 
Amor não é completo se não sabe
coisas que só amor pode inventar.
Procura o estreito átrio do cubículo
aonde não chega a luz, e chega o ardor
de insofrida, mordente
fome de conhecimento pelo gozo.
 
(extraído de O amor natural)


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