DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

09/12/2015

Luiz Gama e a boca da verdade

 



Guardadas as "devidas proporções", e o contexto da época, esse poema parece ter sido escrito recentemente!!!


SORTIMENTO DE GORRAS
 
(Para gente de grande tom)
 
Seja um sábio o fabricante,
Seja a fábrica mui rica,
Quem carapuças fabrica
Sofre um dissabor constante;
 
Obra pronta, voa errante,
          Feita avulso, e sem medida;
Mas no voo suspendida,
 
Por qualquer que lhe apareça,
Lá lhe fica na cabeça,
Té as orelhas metidas.
 
(F. X. de Novais)
 
Se grosseiro alveitar ou charlatão
Entre nós se proclama sabichão;
E, com cartas compradas na Alemanha,
Por anil nos impinge ipecacuanha;
Se mata, por honrar a Medicina,
Mais voraz do que uma ave de rapina;
E num dia, se errando na receita,
Pratica no mortal cura perfeita;
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois tudo no Brasil é raridade!
 
Se os nobres desta terra, empanturrados,
Em Guiné têm parentes enterrados;
E, cedendo à prosápia, ou duros vícios,
Esquecendo os negrinhos seus patrícios;
Se mulatos de cor esbranquiçada,
Já se julgam de origem refinada,
E curvos à mania que domina
Desprezam a vovó que é preta mina:
Não te espantes, ó Leitor, da novidade
Pois tudo no Brasil é raridade!
 
Se o Governo do Império Brasileiro,
Faz coisas de espantar o mundo inteiro,
Transcendendo o Autor da geração,
O jumento transforma em sor Barão;
Se o estúpido matuto, apatetado,
Idolatra o papel de mascarado;
E fazendo-se o lorpa deputado,
N'Assembléia vai dar seu — apolhado!
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois tudo no Brasil é raridade!
 
Se impera no Brasil o patronato,
Fazendo que o camelo seja gato,
Levando o seu domínio a ponto tal,
Que torna em sapiente o animal;
Se deslustram honrosos pergaminhos
Patetas que nem servem p'ra meirinhos
E que sendo formados bacharéis,
Sabem menos do que pecos bedéis:
Não te espantes, ó Leitor, da novidade,
Pois que tudo no Brasil é raridade!
 
Se temos Deputados, Senadores,
Bons Ministros, e outros chuchadores;
Que se aferram às tetas da Nação
Com mais sanha que o Tigre, ou que o Leão;
Se já temos calçados — mac-lama,
Novidade que esfalfa a voz da Fama,
Blasonando as gazetas — que há progresso,
Quando tudo caminha p'ro regresso:
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!
 
Se cotamos vadios empregados,
Porque são de potência afilhados,
E sucumbe, à matroca, abandonado,
O homem de critério, que é honrado;
Se temos militares de trapaça,
Que da guerra jamais viram fumaça,
Mas que empolgam chistosos ordenados,
Que ao povo, sem sentir, são arrancados:
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!
 
Se faz oposição o Deputado,
Com discurso medonho, enfarrusca
E pilhado a maminha da lambança,
Discrepa do papel, e faz fundança;
Se esperto capadócio ou maganão,
Alcança de um jornal a redação,
E com quanto não passe de um birbante
Vai fisgando o metal aurissonante,
Não te espantes, ó Leitor, da pepineira,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!
 
Se a guarda que se diz — Nacional,
Também tem caixa-pia, ou musical,
E da qual dinheiro se evapora,
Como o — Mal — da boceta de Pandora;
Se depois se conserva a — Esperança;
E nisto resmungando o cidadão                  
Lá vai ter ao calvário da prisão;
Não te espantes, ó Leitor da pepineira ,
Pois que tudo no Brasil é chuchadeira!
 
Se temos majestosas Faculdades,
Onde imperam egrégias potestades,
E, apesar das luzes dos mentores,
Os burregos também saem Doutores;
Se varões de preclara inteligência,
Animam a defender a decadência,
E a Pátria sepultando em vil desdouro,
Perjuram como Judas — só por ouro:
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!            *
 
Se a Lei fundamental — Constipação,
Faz papel de falaz camaleão,
E surgindo no tempo de eleições,
Aos patetas ilude, aos toleirões;
Se luzidos Ministros, d'alta escolha,
Com jeito, também mascam grossa rolha;
E clamando que — são independentes —
Em segredo recebem bons presentes:
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,        .
Onde possa empantufar a larga pança!
 
Se a Justiça, por ter olhos vendados,
É vendida, por certos magistrados,
Que o pudor aferrando na gaveta,
Sustentam — que o Direito é pura peta;
E se os altos poderes sociais,
Toleram estas cenas imorais;
Se não mente o rifão, já mui sabido:
Ladrão que muito furta é protegido —
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!
 
Se ardente campeão da liberdade,
Apregoa dos povos a igualdade,
Libelos escrevendo formidáveis,
Com frases de peçonha impenetráveis;
Já do Céu perscrutando alta eminência
Abandona os troféus da inteligência;
Ao som d'aragem se curva, qual vilão,
O nome vende, a glória, a posição:
É que o sábio, no Brasil, só quer lambança,
Onde possa empantufar a larga pança!
E se eu, que amigo sou da patuscada,
Pespego no Leitor esta maçada;
Que já sendo avezado ao sofrimento,
Bonachão se tem feito pachorrento;
Se por mais que me esforce contra o vício,
Desmontar não consigo o artifício;
E quebrando a cabeça do Leitor
De um tareio não passo, ou falador,
É que tudo que não cheira a pepineira
Logo tacham de maçante frioleira.
 
 
Luiz Gama, poeta e abolicionista, nasceu em Salvador (BA), em 2l de junho de 1830. Era filho de Luísa Mahin, (Luísa era da tribo Mahin, vinda de Benin e pertencia a Nação Nagô) líder da revolta dos Malês, movimento que reuniu vários grupos étnicos, participando ativamente em organizações de escravos revoltosos. Seu pai, cujo nome ainda hoje é desconhecido, era de uma família de portugueses ricos e viciado em jogos de cartas. Após desperdiçar toda a sua fortuna para pagar dívidas, vendeu o próprio filho. Luiz Gama tinha então 10 anos de idade; nasceu livre, mas tornou-se escravo de um fazendeiro de Lorena(SP) que o levou para o Rio de Janeiro juntamente com outros escravos. Do Rio foi pra São Paulo, onde frequentou a Faculdade de Direito, como ouvinte. tornando-se rábula, isto é, um advogado sem diploma, autodidata que empenhava-se arduamente na defesa dos negros escravos, gratuitamente. Faleceu em 1882.


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