DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

27/03/2016

Poesia é desenho

Receita de verso




um pouco de quase nada
uma pitada e meia de sonho
duas xícaras de metáforas
 rima a gosto
 
Modo de preparo:
 molhar a palavra
para rasgar o verbo
 
***
 
 
poesia é desenho
de quem não sabe
escrever


***
 
grávida
do
tempo
a
história
aborta
MEMÓRIAS
 


***
 
na vida não há posse
assim como os versos
os filhos
não são
nossos
 
***
 
o medo é
inversamente
proporcional
ao livre exercí-cio
do Amar

 
 
 
Guilherme Salgado, é autor de Poesia é desenho e se autodenomina um poeta "andarilho" que viaja pelo Brasil divulgando sua poesia e animando processos educativos de forma autônoma e solidária. Conheci-o no Centro Cultural Dragão do Mar, em Fortaleza com sua Komboteca Itinerância Poética, distribuindo e ao mesmo tempo se nutrindo de "sonhos possíveis".


24/03/2016

Anotações IV

Caminho entre grandes samambaias pendidas de árvores centenárias; sob os pés um espesso tapete verde entrelaçado de cipós que aveluda meus passos;
 

 
 
não sei por que, mas lembro-me de Darwin e das ilhas Galápagos, no Equador, com suas tartarugas gigantes, animais exóticos, aves, pássaros que não vemos em nenhum outro lugar do mundo...





 


 


Fico perdida no meio dessa selva tão exuberante, tão cheia de vida, distante das mesquinharias e da sordidez humana. As palavras vão perdendo o sentido, o silêncio e a harmonia dominam o lugar...
Lembro-me de James Joyce falando pela boca das mulheres: "ía ser muito melhor pro mundo ser governado pelas mulheres você não ía ver as mulheres saírem se matando e chacinando quando é que a gente vê uma mulher rolando por aí de bêbada..."  E sigo andando porque a estrada é uma légua tirana que existe há milênios desde que o mundo é mundo, como dizia o filósofo Sócrates
(469 a.C. - 399 a.C ) que aliás, não escrevia o que pensava mas seu raciocínio
era tão lúcido e extremado no sentido de nos tornarmos melhores cidadãos, que foi envenenado com cicuta; era um questionador que sempre deixava em aberto
o que pensava com o objetivo de nos tornarmos mais sábios e mais felizes. A estrada é longa. Quem não conhece as narrativas de Homero sobre a imagem
das sombras humanas sempre lutando por um mundo melhor, Ulisses tentando
não ouvir o canto ilusório das sereias ?


21/03/2016

De Lima Barreto


 
Não sei bem, mas se a sangueira já é grande, julgo que ela vai ser ainda maior depois. Tudo o que é revoltante e grosseiro vai por baixo disso tudo, sob pretexto de pátria. É de causar horror, tanto mais que os fortes burgueses querem, aproveitando o estado de espíritos, matar o indivíduo em proveito do estado, que são eles.
 
 
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro (1881-1922)

20/03/2016

Churrasco em panela de pressão


 
 
 Em primeiro lugar, compre uma panela de pressão de tamanho grande; coloque no fundo dela pedaços de linguiça que dê pra formar uma camada; em seguida, uma camada de costela bovina, outra de porco, e pra finalizar, mais uma camada de linguiça. Tempere conforme o seu gosto, mas se preferir não é necessário temperar. Não é preciso colocar sal porque o da linguiça é suficiente.
Deixe assar na panela por 45 minutos, em fogo médio...
 
Bom apetite!

16/03/2016

Dedo mindinho, seu vizinho...




 
É finíssimo o fio que prende ou solta as ideias; quando soltas esparramam-se em papéis ou nas ruas. Como cabelos soltos despenteiam-se, os pensamentos amarrados e cheios de nós "acostumam-se" a não terem suas próprias ideias. São transas traçadas desde cedo, (dis)torcidas em seu nascedouro.
 
Fure o bolo, cate o piolho...

12/03/2016

Uns


 
 
Uns nascem outros aparecem; uns morrem outros desaparecem; uns crescem e amadurecem, outros apodrecem vivos. Alguns amadurecem enquanto a terra escurece. Na noite das mil e uma noites muitos tornam-se pardacentos, mergulham na lama e se transformam em lodo. Nenhum é o mesmo que nem um, é ninguém; e um pode ser a exceção para confirmar uma regra criada não se sabe por quem. "Não sei quem foi que disse que viu você não sei aonde não sei com quem fazendo não sei o quê, e agora você vem chegando não sei de onde cheio de não sei o quê dizendo que nem conhece esse tal de não sei quem contando o que lhe convém...
Não sou saco de carga das mentiras de ninguém", como dizia Jackson do Pandeiro.
 Vivemos infestados de pragas de toda espécie, a gente não tem mais sossego nem dentro de casa: são baratas, traças que sobem pelas paredes e se escondem por trás dos quadros; formigas que farejam qualquer alimento; moscas que provocam viroses que dão vômito e diarreia. Se ligamos o rádio ou a televisão nossos ouvidos e nossos olhos são bombardeados por outra espécie de praga (essa mais difícil de ser eliminada!), porque invade a nossa privacidade de forma virulenta e muitas vezes inescrupulosa. A tecnologia é uma faca de dois gumes: te oferece produtos que são criados por ela para que continues com a ilusão de que estás evoluindo, que és moderno; por outro lado(e ainda bem!), te dá a opção de mudar o dial ou o canal, ou desligar os dois e ler um bom livro, ouvir uma boa música, encontrar-se com os amigos...

09/03/2016

A girafa que compreendeu logo que tudo é relativo


 
 

         Faz muito tempo, em um país distante, vivia urna Girafa de estatura regular mas tão descuidada que uma vez saiu da Selva e se perdeu.
Desorientada como sempre, se pôs a caminhar às tontas e à maluca daqui para lá, e por mais que se agachasse para encontrar o caminho, não o encontrava.
Assim, deambulando, chegou a um desfiladeiro onde nesse momento acontecia uma grande batalha.
Apesar das baixas serem muito altas em ambos os lados, nenhum estava disposto a ceder um milímetro de terreno.
Os generais arengavam suas tropas com as espadas no alto, ao mesmo tempo que a neve ficava manchada de púrpura com o sangue dos feridos.
Entre o fumo e o estrépito dos canhões se viam caindo sem vida os mortos de um e outro exército, com tempo apenas para recomendar sua alma ao diabo; porém os sobreviventes continuavam disparando com entusiasmo até que a eles também chegava sua vez e caíam com um gesto estúpido que porém na queda acreditavam que a História iria recolher como heroico, pois morriam para defender sua bandeira; e realmente a História recolhia esses gestos como heroicos, tanto a História que recolhia os gestos de um como a que recolhia os gestos de outro, já que cada lado escrevia sua própria História; de modo que Wellington era um herói para os ingleses e Napoleão era um herói para os franceses.
Enquanto isso, a Girafa continuou caminhando, até que chegou a uma parte do desfiladeiro em que estava montado um enorme Canhão, que nesse preciso instante fez um disparo exatamente uns vinte centímetros acima de sua cabeça, mais ou menos.
Ao ver a bala passar tão perto, e enquanto seguia com avista sua trajetória, a Girafa pensou:
         “Que bom que eu não sou alta, pois se meu pescoço me disse mais trinta centímetros essa bala tinha me arrebentado a cabeça; ou bem, que bom que esta parte do desfiladeiro onde está o Canhão não é tão baixa, pois se medisse trinta centímetros menos a bala também tinha me arrebentado a cabeça. Agora compreendo que tudo é relativo”
 
                             

Augusto Monterroso nasceu em 1921, na Guatemala. Em 1944, mudou-se para o México e, depois de muito observar a fauna daquele país e de outros, se convenceu de que "os animais se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distingui-los deste". Assim surgiu "A ovelha negra e outras fábulas", lançado pela Editora Cosac Naify - São Paulo, 2014, com tradução de Millôr Fernandes. Faleceu em 2003.


06/03/2016

Ah, Machado de Assis...!




Bem se podia comparar o público àquela serpente - deus dos antigos mexicanos que, depois de devorar um alentado mamífero, prostra-se até que a ação digestiva lhe tenha esvaziado o estômago; então o flagelo das matas corre em busca de novo repasto, emborca novo animal pela garganta abaixo e cai em nova e profunda modorra de digestão.
Esquisita que pareça a comparação, o público é assim. Precisa de uma novidade e de uma grande novidade; quando lhe aparece alguma, digere-a com placidez e calma, até que desfeita ela, outra lhe fica ao alcance e lhe satisfaz a necessidade imperiosa.
 
 
Machado de Assis, em Diário do Rio de Janeiro - 07.01.1862
 
Tinha apenas 23 anos de idade!!!

01/03/2016

"Soliloucura"


Edvard Munch

 enquanto as pessoas lutam pela vida  lá fora,  aqui dentro tudo prestes a explodir cacos de vidro  o teto a cabeça desabando vou escrevendo o que me dá na telha; da cumeeira  vão escorrendo letras fonemas cascas de palavras moídas remoídas entrando e saindo no vaivém desenfreado do moinho de vento triturando os miolos que saltam das entranhas como flocos de algodão cozido numa panela de barro em fogo brando como a cinza das horas; fagulhas de memória do passado do agora do amanhã de manhã o sol pela fresta da janela de uma casa vazia que  ninguém merece uma malvadeza dessas  que andam por aí arrotando beleza cantando primavera em pleno inverno infernizando vidas solapando os verões dos pés descalços em pleno sertão da aridez lamacenta e insalubre povoada de bocas sem dentes sem vez sem palavra  sem voz - ô criatura chata reclama de tudo - olha pro céu meu amor como  é lindo cheio de estrelas com uma lua a derramar raios prateados sobre o pranto caudaloso dos homens que aqui gorjeiam mas não gorjeiam como lá na minha casa de papelão os pássaros cantam e cagam sobre minha cabeça debaixo de uma árvore ou sob um viaduto e todos os poetas costumam mentir dizem que é pra afugentar a tristeza!  vai estudar criatura aprender a ler escrever poesia pra ninar as criancinhas abandonadas viciadas em craque destruindo suas vidas e dos que atravessarem seu caminho de pedras a preço de um real vai criatura! deixa de ser resmungona fecha essa matraca e vai pra orlando com teus filhos conhecer tio patinhas de perto com seu saco cheio de moedas de ouro de tolo apresentar tua filhinha à branca de neve quem sabe ela aprenda a conquistar um daqueles anões eunucos casa-se com ele e vivem felizes pelo menos por sete meses ;bruxa feiticeira te odeio porque carregas contigo o segredo de tuas poções o mistério da criação o poder da transparência e da transformação porque és diferente e semelhante ao mesmo tempo e eu não gosto dos teus espelhos quanto mais os quebro entrevejo as múltiplas faces  que possuo ;disseminas a luta entre anjos e demônios estimulas a mudança obrigas-me a pensar e não quero pensar quero permanecer onde estou olhando pro meu umbigo mirando a imagem que me ensinaram a representar ainda mais agora com tanta tecnologia avançada não preciso de ninguém faço os meus joguinhos tenho um celular superhiperavançado iped iphone tablet   et caterva que não me preenchem me iludem e me despem em escala planetária - isso é bobagem -  é alienação narcísica uma flor tão bela brotou daquele lago ai que coisa mais linda mais cheia de graça esse abjeto  objeto  do desejo de tantos homens procurando a bonequinha barbie inflável ai    eu nasci pra sofrer olhei pra você vi que o buraco é bem mais abaixo da linha do equador sabe aquela linha imaginária criada pelos invasores disputando terras supostamente desabitadas? pois  nós estávamos    não sabias ? pois  pois,  por  mares  nunca  dantes navegados  quem  “descobriu”  o  Brasil  foi  eu  foi  você  ou  foi  o  rabo  do  tatu?   Rarara