A nossa burguesa finança governamental só conhece dois remédios para equilibrar os orçamentos: aumentar os impostos e cortar lugares de amanuenses e serventes. Fora desses dois paliativos, ela não tem mais beberagem de feiticeiro para curar a crônica moléstia do déficit.
Quanto a cortar lugares, é engraçado o que se passa na nossa administração. Cada ministro, e quase anualmente, arranja uma autorização para reformar o seu ministério. De posse dela, um, por exemplo, o da Guerra, realiza a sua portentosa obra e vem cá para fora blasonar que fez uma economia de sessenta e nove contos, enquanto o do Exterior, por exemplo, com a sua aumentou as despesas de sua pasta em mais de cem contos.
Cada secretário do presidente concebe que governo é só e unicamente o seu respectivo ministério e cada qual puxa a brasa para a sua sardinha.
Cabia ao presidente coordenar estes movimentos desconexos, ajustá-los, conjugá-los; mas ele nada faz, não intervém nas reformas e deixa correr o marfim, para não perder o precioso tempo que tem de empregar em satisfazer os hipócritas manejos dos caixeiros da fradalhada obsoleta ou em pensar nas coisas de sua politiquinha de aldeola.
Enquanto as reformas com as hipotéticas economias são em geral obra dos ministros, o aumento de imposto parte, em geral, dos nossos financeiros parlamentares. Eles torram os miolos para encontrar meios e modos de inventar novos; e, como bons burgueses que são, ou seus prepostos, sabem, melhor que o imperador Vespasiano, que o dinheiro não tem cheiro. Partem desse postulado que lhes remove muito obstáculo e muitas dificuldades e chegam até às latrinas, como aconteceu o ano passado.
Essa pesada massa de impostos, geralmente sobre gêneros de primeira necessidade, devendo ser democraticamente igual para todos, vem verdadeiramente recair sobre os pobres, isto é, sobre a quase totalidade da população brasileira, que é de necessitados e pobríssimos, de forma que as taxas dos Colberts da nossa representação parlamentar conseguem esta coisa maravilhosa, com as suas medidas financeiras: arranham superficialmente os ricos e apunhalam mortalmente os pobres. Pais da pátria!
Desde que o governo da República ficou entregue à voracidade insaciável dos políticos de São Paulo, observo que o seu desenvolvimento econômico é guiado pela seguinte lei: tornar mais ricos os ricos; e fazer mais pobres os pobres.
São Paulo tem muita razão e procede coerentemente com as suas pretensões; mas devia ficar com os seus propósitos por lá e deixar-nos em paz. Eu me explico. Os políticos, os jornalistas e mais engrossadores das vaidades paulistas não cessam de berrar que a capital de São Paulo é uma cidade europeia; e é bem de ver que uma cidade europeia que se preza não pode deixar de oferecer aos forasteiros o espetáculo de miséria mais profunda em uma parte de sua população.
São Paulo trabalha para isso, a fim de acabar a sua flagrante semelhança com Londres e com Paris; e podem os seus eupátridas estar certos que ficaremos muito contentes quando for completa, mas não se incomodem conosco, mesmo porque, além de tudo, nós sabemos com Lord Macaulay que, em toda a parte, onde existiu oligarquia, ela abafou o desenvolvimento do gênio.
Entretanto, não atribuirei a todos os financeiros parlamentares que têm proposto novos impostos e aumento dos existentes; não atribuirei a todos eles, dizia, tenções malévolas ou desonestas. Longe de mim tal coisa. Sei bem que muitos deles são levados a empregar semelhante panaceia, por mero vício de educação, por fatalidade mental que não lhes permite encontrar os remédios radicais e infalíveis para o mal de que sofre a economia da nação.
Quando se tratou aqui da abolição da escravatura negra, deu-se fenômeno semelhante. Houve homens que por sua generosidade pessoal, pelo seu procedimento liberal, pelo conjunto de suas virtudes privadas e públicas e alguns mesmo pelo seu sangue, deviam ser abolicionistas; entretanto, eram escravocratas ou queriam a abolição com indenização, sendo eles mais respeitáveis e temíveis inimigos da emancipação, por não se poder suspeitar da sua sinceridade e do seu desinteresse.
É que eles se haviam convencido desde meninos, tinham como artigo de fé que a propriedade é inviolável e sagrada; e, desde que o escravo era uma propriedade, logo…
Ora, os fundamentos da propriedade têm sido revistos modernamente por toda a espécie de pensadores e nenhum lhe dá esse caráter no indivíduo que a detém. Nenhum deles admite que ela assim seja nas mãos do indivíduo, a ponto de lesar a comunhão social, permitindo até que meia dúzia de sujeitos espertos e sem escrúpulos, em geral fervorosos católicos, monopolizem as terras de uma província inteira, títulos de dívida de um país, enquanto o Estado esmaga os que nada têm com os mais atrozes impostos.
A propriedade é social e o indivíduo só pode e deve conservar, para ele, de terras e outros bens, tão-somente aquilo que precisar para manter a sua vida e de sua família, devendo todos trabalhar da forma que lhes for mais agradável e o menos possível, em benefício comum.
Não é possível compreender que um tipo bronco, egoísta e mau, residente no Flamengo ou em São Clemente, num casarão monstruoso e que não sabe plantar um pé de couve, tenha a propriedade de quarenta ou sessenta fazendas nos estados próximos, muitas das quais ele nem conhece nem as visitou, enquanto, nos lugares em que estão tais latifúndios, há centenas de pessoas que não têm um palmo de terra para fincar quatro paus e erguer um rancho de sapê, cultivando nos fundos uma quadra de aipim e batata-doce.
As fazendas, naturalmente, estarão abandonadas; por muito favor, ele ou seus caixeiros permitirão que os desgraçados locais lá se aboletem, mas estes pobres roceiros que nelas vegetam, não se animam a desenvolver plantações, a limpá-las do mato, do sapê, da vassourinha, do carrapicho, porque, logo que o fizerem, o dono vendê-las-á a bom preço e com bom lucro sobre a hipoteca com que a obteve, sendo certo que o novo proprietário expulsá-los-á das terras por eles beneficiadas.
Na Idade Média e, mesmo no começo da Idade Moderna, os camponeses de França tinham contra semelhantes proprietários perversos que deixavam as suas terras en friche, o recurso do haro, e mesmo se apossavam delas para cultivá-las; mas a nossa doce e resignada gente da roça não possui essa energia, não tem mesmo um acendrado amor à terra e aos trabalhos agrícolas e procedem como se tivessem lido o artigo XVII da Declaração dos Direitos do Homem.
O que se diz com relação à propriedade imóvel, pode-se dizer para a móvel. Creio que é assim que os financistas denominam as apólices, moedas, títulos, etc.
O povo, em geral, não conhece esta engrenagem de finanças e ladroeiras correlativas de bancos, companhias, hipotecas, cauções, etc.; e quando, como atualmente, se sente esmagado pelo preço dos gêneros de primeira necessidade, atribui todo o mal ao taverneiro da esquina.
* Trechos do artigo escrito por Afonso Henriques de Lima Barreto(1881-1922), em 11.05.1918, no jornal carioca A.B.C.
Extraído de http://blogdaboitempo.com.br
Salvando la distancia y las circunstacias locales y concretas, se pordría aplicar el escrito a nuestros políticos de Partido Popular, que nos desgobiernan desde 2011.
ResponderExcluirSu mantra viene a ser, estoy en política para forrarme(hacerme rico) y nuestra misión es que los ricos sean cada vez más ricos y los pobres sean cada vez más pobres y más numerosos.
Hemos salido de la crisis, según ellos, claro, gracias a la reforma Laboral: trabajos precarios y mal pagados, despidos casi gratuitos, y han recortado en Sanidad, Educación, Cooperación Internacional y Prestaciones Sociales.
¿Te suena? ¿Te resulta conocido el "metodo"?
¿Por qué una gran mayoría de los perjudicados, trabajadores pobres, los siguen votando? Para mí, es un misterio.
Las cuentas no salen, si ya no estamos en crisis ¿cómo es que seguimos teniendo unas cifras de paro tan altas, unos trabajadores tan mal pagados que tienen que ir a Caritas o a sus parroquias para poder comer?
Espero que nuestros dos paises despierten de una vez y ese "despertar" sólo puede venir del lado de la gente, de la mayoría de la gente. Los políticos deberían estar a nuestro servicio, eso es casi imposible hoy día, salvo que tengan que contar los votos y ganárselos uno por uno.
Un placer leerte.
Muchos besos,
Un abrazo,