A vida é crua.
Faminta como
o bico dos corvos.
E pode ser tão
generosa e mítica:
arroio, lágrima.
Olho d'água,
bebida: A vida
é líquida.
*****
Tempo não é, senhora, de inocências
Nem de ternuras vãs, nem de cantigas.
Antes de desamor, de impermanência.
Tempo não é, senhora, de alvoradas.
Nem de coisas afins, toques, clarins.
Antes, da baioneta nas muradas.
Tempo não é, senhora, de pastores.
Nem de roseiras, madrigais, violas.
Nem é tempo, vos digo, de ter pássaros
Azuis em vossas douradas gaiolas.
*****
Sendo quem sou, em nada me pareço.
Desloco-me no mundo, ando a passos
E tenho gestos e olhos convenientes.
Sendo quem sou
Não seria melhor ser diferente
E ter olhos a mais, visíveis, úmidos
Ser um pouco de anjo e de duende?
Cansam-me essas coisas que vos digo.
As paisagens em ti se multiplicam
E o sonho nasce e tece ardis tamanhos.
Cansam-me as esperanças renovadas.
E o verso no meu peito repetido.
Cansa-me ser assim quem sou agora:
Planície, monte, treva, transparência.
Cansa-me o amor porque é centelha
E exige posse e pranto, sal e adeus.
Queres o verso ainda? Assim seja.
Mas viverás tua vida nesses breus.
Hilda Hilst nasceu em Jaú(SP)no dia 21 de abril
de 1930 e faleceu no dia o4 de fevereiro de 2004.
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