Anita Malfatti
Olho para ela. Ela me olha. Olhamos uma para a outra sem nos vermos. Tento falar com ela, ela tenta falar comigo, e ficamos as duas durante anos nessas tentativas. - Quero falar de qualquer forma - converso horas contigo olhos nos olhos e imagino que estás me ouvindo. Tu me olhas me ouves, mas não vês a hora em que eu acabe de falar porque não escutas o que estou falando. E passamos anos a fio nesse diálogo de mão única, de rua sem saída, entrando em becos dobrando esquinas atravessando pontes entrando em túneis mal iluminados; entre nós há sempre um sinal fechado. Penso ter medo dela. Ela não, é autônoma, independe de mim; se eu não conseguir um acordo com ela não tem problema: milhares de outras mãos sabem muito bem como tratá-la, como dar-lhe uma expressão. Ela é fugidia, talvez escorregadia, sei lá. Chega de repente, e se vai da mesma forma, escapa-me. Talvez ela seja como os sonhos: parecem reais, mas quando acordamos já se foram, vestem-se diferente;
aliás, eles sempre se apresentam despidos, nós é que tentamos vesti-los, mas aí já é tarde, foram-se!
Enquanto fechamos os olhos tudo flui às maravilhas, mas fugiu não está mais aqui - ela - ao abanar leque, num átimo de segundo mudou completamente. Eu nem tinha imaginado...
Dia claro noite escura; sol e chuva pedra e água. É areia e barro e pó!