Meu barco é de papel, tão frágil quanto o momento que atravessamos; tão frágil quanto somos todos, sem exceção. Muitos naufragam antes de concluir a travessia que lhes cabe, outros tentam remar contra
a maré, ignorando sua pequenez, estrebuchando para todos os lados. Em vão.
Vou tentando atravessar essa tormenta que se abateu sobre a humanidade. Dias melhores advirão, quem sabe? Enquanto isso, recorro a música, a poesia, a arte, recorro a ferramentas que podem me tornar uma pessoa melhor enquanto estou por aqui.
O acorde inicial
Que a palavra se perca num rumor de queda
por indistintos círculo quebrados
e com o ser se dilate no silêncio e no olvido.
Que os instrumentos se apaguem e rasguem as imagens entre a adolescência do mundo e o perfume
do abismo.
Que a cor e a música recrudesçam e se extingam
como se um pincel pulverizado e um violino em cinzas, produzissem o acorde inicial e a junção com
o invisível.
Abandonando o teclado das certezas,
que a palavra roce as espécies desaparecidas
encontrando as fugitivas simetrias
e os frescos tornozelos da nascente.
Que não seja mais que o brilho de uma chave perdida, uma escada de traços que nunca hão de chegar.
Que respirem os elos, que os detritos falem
ao conjunto que se forma nos flancos do vazio.
Que sejam um sopro cego, um oblíquo trajeto na
distância, reunindo o inaceitável e a conivência inaugural, sem que nada perdure, sem que nada pereça, no alvéolo onde repousa a substância salva
Antônio Ramos Rosa, Faro(Portugal)
1924-2013
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