DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

08/02/2021

Um dia mortos


                              Um dia mortos, gastos voltaremos

 a viver livres como os animais. 

E mesmo tão cansados floriremos

 irmãos vivos do mar e dos pinhais.


O vento levará os mil cansaços

 dos gestos agitados, irreais

 e há-de voltar aos nossos membros lassos

 a leve rapidez dos animais.


Só então poderemos caminhar

 através do mistério que se embala

 no verde dos pinhais, na voz do mar.

E em nós germinará a sua fala.

                            




Os poetas


Solitários

pilares dos céus pesados,

poetas nus em sangue, ó destroçados

anunciadores do mundo

que a presença das coisas devastou.

Gesto, de forma em forma vagabundo

que nunca num destino se acalmou.





Pirata


Sou o único homem a bordo do meu barco.

Os outros são monstros que não falam,

tigres e ursos que amarrei aos remos,

e o meu desprezo reina sobre o mar.


Gosto de uivar no vento com os mastros

e de me abrir na brisa com as velas,

e há momentos que são quase esquecimento

numa doçura imensa de regresso.


A minha pátria é onde o vento passa,

a minha amada é onde os roseirais dão flor,

o meu desejo é o rastro que ficou das aves,

e nunca acordo deste sonho e nunca durmo.


Sophia de Mello Breyner Andresen - Porto(Portugal) 1919-2004

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