Um dia mortos, gastos voltaremos
a viver livres como os animais.
E mesmo tão cansados floriremos
irmãos vivos do mar e dos pinhais.
O vento levará os mil cansaços
dos gestos agitados, irreais
e há-de voltar aos nossos membros lassos
a leve rapidez dos animais.
Só então poderemos caminhar
através do mistério que se embala
no verde dos pinhais, na voz do mar.
E em nós germinará a sua fala.
Os poetas
Solitários
pilares dos céus pesados,
poetas nus em sangue, ó destroçados
anunciadores do mundo
que a presença das coisas devastou.
Gesto, de forma em forma vagabundo
que nunca num destino se acalmou.
Pirata
Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
tigres e ursos que amarrei aos remos,
e o meu desprezo reina sobre o mar.
Gosto de uivar no vento com os mastros
e de me abrir na brisa com as velas,
e há momentos que são quase esquecimento
numa doçura imensa de regresso.
A minha pátria é onde o vento passa,
a minha amada é onde os roseirais dão flor,
o meu desejo é o rastro que ficou das aves,
e nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
Sophia de Mello Breyner Andresen - Porto(Portugal) 1919-2004
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