Crônica, 9 de dezembro de 1894
“Tudo tende à vacina. Depois da varíola, a raiva; depois da raiva, a difteria; não tarda a vez do cólera-morbo.
O bacilo-vírgula, que nos está dando que fazer, passará em breve do terrível mal que é, a uma simples cultura científica, logo de amadores, até roçar pela banalidade. (…)
Todas as moléstias irão assim cedendo ao homem, não ficando à natureza outro recurso mais que reformar a patologia.
Não bastarão guerras e desastres para abrir caminho às gerações futuras; e demais a guerra pode acabar também, e os próprios desastres, quem sabe? obedecerão a uma lei, que se descobrirá e se emendará algum dia.
Sem desastres nem guerras, com as doenças reduzidas, sem conventos, prolongada a
velhice até às idades bíblicas, onde irá parar este mundo? Só um grande carregamento, ó doce mãe e amiga Natureza; só um carregamento infinito de moléstias novas.
Mas a vacina não se deve limitar ao corpo; é preciso aplicá-la à alma e aos costumes, começando na palavra e acabando no governo dos homens.
Já a temos na palavra, ao menos, na palavra política. Graças às culturas sucessivas, podemos hoje chamar bandido a um adversário, e, às vezes, a um velho amigo, com quem tenhamos alguma pequena desinteligência. Está assentado que bandido é um divergente. Corja de bandidos é um grupo de pessoas que entende diversamente de outra um artigo da Constituição.
Quando os bandidos são também infames, é que venceram as eleições, ou legalmente, ou aproximativamente. (…)
Conhecido o princípio, sabido que tudo deriva de um micróbio, inclusive o vício e a virtude, obtém-se pelo mesmo processo a eliminação de tantos males.
O boato tem sido descomposto de língua e de pena, é um monstro, um inimigo público, é o diabo, sem advertirem os autores de nomes tão feios, que o boato é a cultura atenuada do acontecimento. Daqui em diante a história se fará com auxílio da bacteriologia.
As eleições, – uma das mais terríveis enfermidades que podem atacar o organismo social, – perderam a violência, e dentro em pouco perderão a própria existência nesta cidade, graças à cultura do respectivo bacilo.
Aposto que o leitor não sabe que tem de eleger no último domingo deste mês os seus representantes municipais? Não sabe. Se soubesse, já andaria no trabalho da escolha do candidato, em reuniões públicas, ouvindo pacientemente a todos que viessem dizer-lhe o que pensam e o que podem fazer. (…)”