DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

16/05/2021

Dois poema de Jacinta Passos *

 




O rio


Tantos rios como eu abriram leitos de pedras

e pranto. Um dia perguntávamos:

Dizei-me, curva, onde vou? casa trono rocha sois

aqueles que ficam, minha lei é não parar. Sigo

fio de água, água humilde sou, para onde? Ó curva, falai.

Água de revolta, espuma espuma de ódio nos poros

na garganta no útero, pranto de mulher, água

de fel antigo, quem é meu semelhante? Dizei, onde vou?


Leito de pedras

e pranto. Súbito, próximo.

Atravessou, olhaí, ele!

ali na frente, vivo, tão vivo,

ele sim! o rio das águas inúmeras. Correi

doçuras e dores, punhos. Partido, esperança nossa...


Canção do amor livre


Se me quiseres amar

não despe somente a roupa.


Eu digo: também a crosta

feita de escamas de pedra

e limo dentro de ti

pelo sangue recebida

tecida

de medo e ganância má.

Ar de pântano diário

nos pulmões.

Raiz de gestos legais

e limbo do homem só

numa ilha.


Eu digo: também a crosta

essa que a classe gerou

vil, tirânica, escamenta.


Se me quiseres amar.

Agora teu corpo é fruto.

Peixe e pássaro, cabelos

de fogo e cobre.

Madeira

e água deslizante fuga

aí rija

cintura de potro bravo.

Teu corpo.


Relâmpago depois repouso

sem memória, noturno.


Jacinta Passos nasceu em Cruz das Almas(BA), no dia 30 de novembro de 1914 e faleceu em 28 de fevereiro de 1973. Livros publicados: Momentos de poesia (1941), Canção da partida (1945), Poemas políticos (1951) e A Coluna (1958)

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