O rio
Tantos rios como eu abriram leitos de pedras
e pranto. Um dia perguntávamos:
Dizei-me, curva, onde vou? casa trono rocha sois
aqueles que ficam, minha lei é não parar. Sigo
fio de água, água humilde sou, para onde? Ó curva, falai.
Água de revolta, espuma espuma de ódio nos poros
na garganta no útero, pranto de mulher, água
de fel antigo, quem é meu semelhante? Dizei, onde vou?
Leito de pedras
e pranto. Súbito, próximo.
Atravessou, olhaí, ele!
ali na frente, vivo, tão vivo,
ele sim! o rio das águas inúmeras. Correi
doçuras e dores, punhos. Partido, esperança nossa...
Canção do amor livre
Se me quiseres amar
não despe somente a roupa.
Eu digo: também a crosta
feita de escamas de pedra
e limo dentro de ti
pelo sangue recebida
tecida
de medo e ganância má.
Ar de pântano diário
nos pulmões.
Raiz de gestos legais
e limbo do homem só
numa ilha.
Eu digo: também a crosta
essa que a classe gerou
vil, tirânica, escamenta.
Se me quiseres amar.
Agora teu corpo é fruto.
Peixe e pássaro, cabelos
de fogo e cobre.
Madeira
e água deslizante fuga
aí rija
cintura de potro bravo.
Teu corpo.
Relâmpago depois repouso
sem memória, noturno.
Jacinta Passos nasceu em Cruz das Almas(BA), no dia 30 de novembro de 1914 e faleceu em 28 de fevereiro de 1973. Livros publicados: Momentos de poesia (1941), Canção da partida (1945), Poemas políticos (1951) e A Coluna (1958)
Nenhum comentário:
Postar um comentário