A arvorezinha
Eu a vejo mesmo quando passo por ela sem prestar atenção. Ela não foge, fica parada, quietinha; não é capaz de pensar nem de querer coisa nenhuma; não, ela só consegue crescer, estar no espaço e ter folhas que ninguém toca, que as pessoas apenas contemplam. A sombra que elas dão, os ocupados passam correndo. Nunca te dei nada? Mas ela não precisa de felicidade. Talvez se alegre quando a acham bonita. Vocês acreditam nisso? Que sagradas inocências expressa. Não sabe de nada, só está ali para me dar prazer. Se digo ao bom algo que não lhe é dado ouvir, por que não teria sentido esse meu amor? Ela nunca me vê sorrir em resposta ao cumprimento que me dirige sem o saber. Morrer aos pés desse ser, como aquela figura que Courbet pintou, despedindo-se para sempre! Decerto seguirei vivendo, mas, e de você, o que será?
***
A Coruja
No muro em ruínas, a coruja disse a si mesma: Ó existência terrível! Qualquer um se horrorizaria, mas eu tenho paciência, baixo os olhos e fico assim, de cócoras. Tudo em mim ou próximo a mim descai em véus cinzentos, mas também sobre minha cabeça brilham as estrelas, e saber disso me fortalece. Espessa plumagem me reveste. Durante o dia, durmo; à noite, fico acordada. Não preciso de espelho para descobrir que aspecto tenho; meu sentimento me diz. É-me fácil imaginar meu rosto estranho. Chamam-me de feia. Se soubessem como minha alma irradia risonhas sensações, não se assustariam comigo. Mas não veem dentro de mim, param no corpo, detêm-se nas vestes. Um dia, fui jovem e bonita, eu poderia dizer, mas isso soa como se tivesse saudade de alguma coisa, e não tenho. Aquela que praticava ser grande suporta com tranquilidade o curso e a mudança do tempo, encontra-se em todo e qualquer presente. Dizem-me: "Filosofia". Mas a morte precoce anula a posterior. A morte não é novidade nenhuma para a coruja; ela já a conhece. Parece que sou uma erudita, que uso óculos e que alguém se interessa tanto por mim que vez por outra vem me visitar. Acha-me harmoniosa. Diz que sou alguém que não o decepciona. É certo que também nunca o enfeiticei. Estuda-me em profundidade, acaricia-me as asas, de vez em quando me traz alguma coisa da confeitaria, com o que acredita proporcionar uma alegria à mais séria das mulheres, e tem razão. Estou lendo um poeta que, por sua delicadeza, se presta a ser digerido por uma coruja. Há algo de doce no seu modo de ser, algo de velado, de indefinido; em suma, é-me apropriado. No passado fui graciosa, ria, gracejava pelo azul do dia afora, virei a cabeça de vários jovens cavalheiros. Agora é diferente, calço sapatos furados, estou velha e fico aqui sentada, quieta.
Robert Walser nasceu em Biel (Suíça), em 1878 e faleceu em 1956 durante uma caminhada na neve. Foi achado por crianças. Publicou três romances, vários textos de prosas curtas, além de publicações em jornais e revistas. São de sua autoria Os irmãos Tanner, O ajudante, e Jakob von Gunten, considerado sua obra-prima.
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