DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)
21/11/2025
06/11/2025
Inutilidade...!?
Caminho imóvel, calada. Mesmo com todas as portas e janelas fechadas sinto um cheiro podre no ar; vejo a fumaça de olhos fechados, um rio de sangue além fronteiras espalhando-se nas ruas das cidades. Ai! até arderam meus pulmões. Tantas línguas são faladas no mundo! quantas vozes são ouvidas? Sherazade simboliza a poesia do Iraque, onde também viveram os quarenta ladrões, hoje espalhados mundo afora...Uns criam a guerra, outros tentam abafar o estrondo dos seus canhões. Genocídios, holocaustos, erros repetidos, lições não aprendidas.
O quê fazem com a poesia dos seus poetas?
28/10/2025
Três poemas de OLGA SAVARY *
Amanhã
Se devoras teus sonhos
quando se ensaiam apenas
e secamente represas
essa linguagem de flores
e teu desejo de asas
que restam subterrâneas,
quem será tu, depois
do grande sono, amanhã?
Não te abandones um só momento
sou inconstante como a nuvem
sou mutável como o vento.
Não te dês inteiro um só momento
porque um dia te quererás de volta
e levarás somente um fragmento.
Auto despedida
Há algo nas manhãs que não entendo agora
e a um grito de minhas pernas não atendo.
Ainda depois da noite, noite me espia
e sonho dúvidas enormes e imóveis
como a imobilidade das aranhas.
Tão pouco tempo - e tenho de deixar-me
e queria nunca ter de repartir-me.
Começa a raiva da saudade que inventei vou ter de mim.
Sextilha Camoniana
Daqui dou o viver já por vivido.
Quero estar quieta, sozinha agora,
igual a uma cobra de cabeça chata,
ficar sentada sobre meus joelhos
como alguém coagulado em outra margem.
Daqui dou o viver já por vivido.
* Olga Savary nasceu em Belém(PA)em 1933. O pai era russo e a mãe paraense. Foi poeta, romancista, contista e tradutora de mais de 40 obras de literatura hispano-americana, como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Pablo Neruda, Carlos Fuentes, entre outros. Ficou conhecida como a primeira mulher brasileira a publicar um livro de poemas eróticos. Foi casada com o cartunista Jaguar, com que teve dois filhos. Faleceu em 2020 em Teresópolis(RJ).
05/10/2025
Equilibrista
Chamava-se Aurora até o dia em que de repente o sol desamarelou-se, e ela então tornou-se Beatriz. Vida vai, vida não volta; Aurora caiu do cavalo grego, Beatriz ficou por um fio de arame. Hoje dança na corda bamba de um salão azul a ver se fatura alguns trocados, ao lado do piano quebrado que toca apenas a nota Dó.
Todos os dias são iguais, mas são diferentes...
28/09/2025
Que eu me livre...
de ideias retrógradas, de "pensadores" negacionistas e obtusos; de atitudes reacionárias, racistas e homofóbicas.
Que eu aprenda a retirar o véu que encobre a vida, para perceber que ela é dinâmica, e está sempre em movimento; que eu consiga ver que o mundo é diverso, variável, diferente e infinito.
16/09/2025
E eu então...!?
"Papel , amigo papel, não recolhas tudo o que escrever esta pena vadia.
Querendo servir-me, acabarás desservindo-me, porque se acontecer que
eu me vá desta vida, sem tempo de te reduzir a cinzas, os que me lerem
depois da missa de sétimo dia, ou antes, ou ainda antes do enterro, po -
dem cuidar que te confio cuidados de amor.
Não, papel. Quando sentires que insisto nessa nota, esquiva-te da minha
mesa, e foge. A janela aberta te mostrará um pouco de telhado, entre a
rua e o céu, e ali ou acolá acharás descanso. Comigo, o mais que podes
achar é esquecimento, que é muito, mas não é tudo; primeiro que ele
chegue. virá a troça dos malévolos ou simplesmente vadios."
Machado de Assis em Memorial de Aires.
30/08/2025
A palavra e o mar

21/08/2025
Perguntas...
As pedras estavam no meio da ponte; a ponte caiu, as pedras afundaram no rio que segue tranquilo e caudaloso. Quem atirou a primeira pedra? Quantos tropeçaram, quantas cabeças foram quebradas? Quem escondeu a mão depois de atirar a primeira pedra?
Jabuti não sobe em árvore assim como pedras não caminham, mas as Geni sempre sabem quem as atira...!
06/08/2025
De Maquiavel
Quando chega a noite, volto para casa e vou para meu estúdio. No umbral, tiro as roupas do dia, enlameadas e suarentas, e visto paramentos dignos de corte ou palácio, e, nesses trajes mais graves, penetro nos recintos dos antigos e sou recebido por eles, e ali provo do alimento que me é mais afeito, para o qual nasci. Ali ouso falar-lhes e perguntar sobre os motivos de seus atos, e eles me respondem com toda humanidade. E por quatro horas esqueço este mundo, não lembro dos aborrecimentos, não temo a pobreza, não tremo diante da morte: sou parte daquele mundo. (Nicolau Maquiavel -Florença 1469-1527)
No final do século XV Maquiavel tentava exercitar sua memória entre os livros de sua preferência, geralmente à noite, quando o leitor, segundo ele, sentia-se mais íntimo dos livros, e com o pensamento mais livre.
Niccolò di Bernardo dei Machiavelli -
Florença(Itália) 1469-1527
26/07/2025
Invencionice
Tinha asas duplas escondidas sob a sombra do sol na parede; duas delas se foram com o pensamento que voou até amarelecer a tarde que teimava em não anoitecer. Quando a noite caiu sobre a cidade, voltaram porque as estrelas haviam pousado sobre si: cada uma foi para o seu lado e o pensamento continuou voando. Planando sobre a cidade deu de cara com uma nuvem de predadores - urubus gaviões e carcarás. Devido ao acinzentado da hora concluiu ser melhor fechar as asas, e acordar!
10/07/2025
OBLIQUIDADE
Andava sempre em linha reta. Não se dobrava. Desdobrava-se. Se caía, era em pé. Certo dia foi dobrado e envelopado numa esquina. Paralelepipedou-se em quadriláteros caleidoscópicos só porque ouviu o cantar de um galo vindo não sabia ao certo de onde. O que se sabe é que o galo está sendo cozido em banho-maria já que os quintais estão desaparecendo!
30/06/2025
Do pensar
Pensando sobre os pensamentos armazenados nesta imensa máquina que é o nosso cérebro, percebo que muitas ideias estarão perdidas para sempre nesse emaranhado de infinitas conexões sinápticas. O agora será imediatamente o passado daqui a um segundo e o futuro já será hoje; tudo é muito rápido, embora existam muitas coisas que andam a passos de tartaruga.Uma tartaruga pode viver muito mais do que os humanos: até 300 anos!, devagar e sempre, enquanto nós estamos tão mecanicamente cada dia mais acelerados que esbarramos logo ali: isso foi ontem? Quem foi que viu? Como disse o poeta e filósofo italiano Giacomo Leopardi, Vai-me apertando amargo o coração se penso em como tudo passa e passa quase sem deixar rastro.
19/06/2025
Sem resposta
02/06/2025
Desmonte
Um faz de conta onde o hoje já é o amanhã, onde o que era um conto da carochinha é a mais dura realidade. Você vai sem querer, e não volta jamais porque a travessia é longa, cheia de idas e vindas pela estrada, mas sem retorno. Você sai pra ganhar a vida e ela te consome sem que te apercebas que ela é cheia de veredas, de encruzilhadas e labirintos e, de perdas irrecuperáveis. E como você pensa, ou melhor, imagina que viverá sempre protegido como se ainda estivesse na placenta da mamãe, como se pudesse viver eternamente em berço esplêndido, a bolha era de borracha! Ou era de vidro? Não sei. Dizem as más línguas que era de sabão...!
21/05/2025
"Alcóolicas"
É crua a vida, alça de tripa e metal.
Nela despenco: pedra mórula ferida.
É crua e dura a vida
Como um naco de víbora,
Como-a no livor da língua
Tinta, lavo-te os antebraços, Vida,
Lavo-me no estreito-pouco do meu corpo,
Lavo as vigas dos ossos, minha vida
Tua unha plúmbea, meu casaco rosso.
E perambulamos de coturno pela rua
Rubras, góticas, altas de corpo e copos.
A vida é crua.
Como o bico dos corvos,
E podia ser tão generosa e, mítica: arroio, lágrima
Olho d'água, bebida.
A vida é líquida
Hilda Hilst - Jaú(SP) 1930-2004
28/04/2025
" Recuerdos "
Ainda era uma criança quando o sol pôs-se a cair. Carregava-o entre os dedos ignorando os perigos do fogo, sem conhecer as dores e as cicatrizes que seus raios deixariam; ouvia o galo cantar e cantarolava sua própria canção. Entre o sol e a lua confundia a noite com o dia. Acabou perdendo a linha quando a agulha escorregou de sua mão: sua boca foi ficando larga como uma saia desfranzida cujos pontos se soltaram da barra e começaram a deslizar sobre o amplo e interminável salão da linguagem...
19/04/2025
(Des)conversa
René Magritte
- Olá, como vai?, comeu muitos sonhos? Quero dizer, de valsa...Se foram sonhos, continue dormindo, mas amanhã acorde! Se de valsa, então dance, isto é, o tempo da valsa já passou, não há mais castelos encantados, nem príncipes! Se pelos menos ainda existissem sapos...Mas até os sapos estão em extinção...!?
- Foi, não foi?
10/04/2025
Entardesquecer
Todas as tardes entro no sol e ardo em chamas. Minhas cinzas o vento leva rumo ao zênite, e à noite as transforma em estrelas...
06/04/2025
Dois poemas de Paulo Henriques Britto
Dentro da noite por fim construída
há tempo para tudo, e muito espaço.
Longas janelas.
Cortinas corridas.
Nos armários vazios,
grandes chumaços de algodão
a preencher cada centímetro e gaveta.
Na parede, um termômetro no qual
ninguêm dá corda há muito tempo.
Nas prateleiras, livros entulhados
de palavras que escorrem devagar,
formando umas poças ralas no chão.
É uma espécie de véspera. Calados,
os cômodos esperam o raiar de
alguma coisa como um dia. Ou não.
( de Nenhum mistério, 2018)
Toda vida é provisória,
todo poema é fragmento.
Cada dia, cada hora, cada verso
é só um momento de alguma totalidade
que você sequer concebe.
Viva e escreva e não se abale.
Você não é o que você escreve.
( de Fim de verão, 2022)
Paulo Henriques Britto, nasceu no Rio de Janeiro em 1951. É poeta, contista e tradutor.
29/03/2025
De outra saudade...
Saudade de mim..., da chuva que caía em pedaços, de estrelas brilhantes rimbombando em meus ouvidos feito o canto dos passarinhos; saudade da chuva que regava meu verde bosque perfumado de fragrâncias primaveris e cheio de abismos inexplorados. Saudade de um não-ser querendo ser e não sendo o desejado, germinando entre as nuvens pensamentos mergulhados em águas desconhecidas. Uma saudade misturada com o vivido, e mais com o que viveria impregnada de silêncios, de dúvidas, mas mais do que tudo isso: uma saudade da não-saudade, do nada, do antes de existir, sem ter morrido sem ter nascido; uma saudade metafísica. Alguns poderiam até dar-lhe um nome, mas se não cheguei sequer a nascer? Uma saudade de quando se é um nada, um grãozinho de areia, uma poeira a flutuar levemente vagando pelo espaço...
19/03/2025
Nada além
Ninguém cantará como os galos de outrora, sumiram os ovos e os quintais; quem irá subir e descer ad eternum com uma pedra nas costas? Não há sequer um José para ser interrogado, um Sísifo, que seja para o castigo. Não houve festas, todos sumiram. E a luz também faltou. Ovos galos quintais Sísifo José pedras rolam pelas ruas e avenidas das pequenas e grandes cidades mundo afora. E agora, Zeus?
07/03/2025
Divagações
Nossos pensamentos mais importantes são os que contradizem nossos sentimentos.
Paul Valéry
A solidão é um mundo povoado por devaneios, uma floresta de árvores de pensamentos isolados; de espantos e desejos. Em espiral circular, num movimento côncavo-convexo tentamos ser uma crisálida para na ponta dos dedos da noite moldarmos a argila dos nossos sonhos. As palmas das mãos espalmam-se sobre as palmas dos coqueiros, e o vento sopra para aplaudi-la com as ondas que vêm do mar.
02/03/2025
Já que é carnaval...
Ai, ai, ai, Poesia qu'eu não consigo olhar pra ti;
o espelho está cego
a ilusão virou farelo que
a formiguinha não aguenta carregar nos ombros.
Meus olhos fechados tudo veem;
a poeira é branca
e da pedra de amolar pensamentos saltam
palavras correnteza abaixo.
O que acontece contigo, Poesia
quando te vendem a qualquer um
e esse um desaparece da face da terra
deixando apenas pinceladas
de sangue nas paredes da alma
feito natureza morta?
Sou filha do samba, do frevo e da batucada
que ecoa das primitivas cavernas
e mesmo assim não consigo decifrar
os sentimentos dos pirilampos que
saltam em círculos desconexos
fantasiados de ti, Poesia!
19/02/2025
Obliquação 2
Farid Belkahia
Às seis horas vi as badaladas do sino passarem entre suas pernas. - Onde já se viu uma coisa dessas? Desde quando badalada de sino tem pernas? - Não sei, só sei que elas passaram correndo em disparada, como loucas. E aí deu meia-noite. Fez-se um grande clarão, e então eu vi o olho dele: era um só, no meio da testa. Eis senão quando, tudo girou - as badaladas aceleraram os passos ao mesmo tempo que entoavam uma cantoria desritmada.
A mão soltou o lápis e o pensamento voou pra bem longe. O rascunho era um palimpsesto de antanho...
11/02/2025
"De onde vêm as palavras? De onde vêm os versos? De onde eles vêm? Talvez viessem de todos os lugares. De todas as partes do meu corpo. De todo o barulho ao redor. De todas as vozes que li. Do coração silencioso de minha mãe. Da sujeira e da degradação do mundo. Então percebi que o poema é arbitrário. Não nasce nem morre. Não tem lógica nem função. Trata-se apenas de fluxos."
Trecho do romance De onde eles vêm, de Jeferson Tenório (Rio de Janeiro, 1977-), autor de O avesso da pele, ganhador do Prêmio Jabuti.
25/01/2025
Ficção ou imaginação?
Passaram os dias os meses os anos... - Quantos? - Tantos, que por enquanto não dá pra contar os tiques dos dias, os taques da noite. Noites e dias, e as horas não passavam, emperradas num poste no meio da rua, debaixo da mesa - onde estariam aquelas horas aqueles dias e noites e meses e anos tantos - Quantos? E era um, eram dois, eram três, eram 100 mil, uma verdadeira legião ensandecida a correr atrás de um bezerro de ouro imaginário que alguém dissera ter visto voando, brilhante e incandescente como o sol do meio-dia; e esse alguém ficara desorientado, com as ideias obnubiladas de tanta claridez que as vistas ficaram turvas e doravante não será fácil atribuir um sentido a esses escritos que seguem na contramão do até aqui esboçado, porque são apenas fragmentos da imaginação ou do imaginário de acordo com a preferência ou o entendimento de quem os ler. Alguns dirão: quanta bobagem, que perda de tempo! Outros mais talvez perguntem: por quê então escrever? E lhes respondo: por quê não? O cérebro está cheio de perguntas sem resposta e de respostas sem perguntas...
15/01/2025
A Noite da Revolta
- Minha velha, está na hora de tomar o comprimido para dormir. - Mas eu não quero dormir. Tem um filme na televisão que eu queria ver. - Acho melhor você não ficar acordada. Pode não gostar do filme e depois passa a noite em claro.
- Não. Você tome o seu comprimido e eu prefiro ficar acordada. - Mas eu não sei tomar o meu comprimido sem você tomar o seu. Acho que não vou dormir se tomar o comprimido sozinho. - Experimente, Artur. Só esta noite. - Estamos tão acostumados que, se os dois comprimidos não forem tomados juntos, acho que um não faz efeito. - Ah, Artur, você é a cruz da minha vida, Será possível que eu não possa nem ao menos rever um filme de Cary Grant? - Estou te estranhando, Lindaura. Nunca pensei que você tivesse paixão por esse Cary Grant. - Muito bonito, cena de ciúmes a essa altura da vida. Trinta e oito anos de fidelidade, e você me vem com uma coisa dessas. Você se esquece que, quando a Ginger Rogers passou o carnaval no Rio, o seu assanhamento não teve limites. Não sossegou enquanto não pediu a ela um autógrafo e Deus sabe o que mais. - Nunca tive nada com a Ginger Rogers. Juro! - Não teve porque ela não deu bola. Quer saber de uma coisa, Artur? Você diz que o seu comprimido sozinho não faz efeito. Então, tome também o meu. Tome os dois, tome cinco ou dez, e me deixe em paz curtindo o meu Cary Grant!
Carlos Drummond de Andrade, em Contos plausíveis (1981)























