"Le fou de peur" - Courbet
Solitário procura companheiro(a)...
A solidão torna-se insuportável quando sobe pelo corpo, navega pelo sangue e se arruína em bebedeira de luto dentro do coração esfomeado, como um castigo, um amargo soneto à morte antecipada; a solidão é uma carteirista da felicidade alheia, uma cadela nocturna, uma máscara de morte. Convive com horas clandestinas, estrelas apagadas, chagas infernais. No desassossego da idade talvez fosse melhor partilhá-la com alguém a quem extorquir um pouco de ternura; talvez essa grave coima que é a solidão ficasse atenuada, se repartida com um qualquer, um companheiro de circunstância, uma mulher vendida aos ventos que se conhece na íntima noite numa rua vazia e difícil de encontrar. Há horas que são momentos de dor, jogos de relâmpagos e de cataclismos. Mas secam, porque a solidão também enlaça devagar, como uma deusa sonâmbula que desliza. Bruscamente tudo acontece: primeiro, a curiosidade, descoberta casta; depois, o desejo, desassossego na respiração; a seguir, a paixão que se desfaz na lua; e, por fim, entra em cena madame solidão, iluminada pelas luzes longas e em frente de uma cortina escura. Desiste-se, adoece-se, envelhece-se, geme-se como um animal estrangulado, morre-se mirrado até ao osso, sem conchego e sem deus. Sente-se as mãos molhadas do choro e já não se espera outra mulher que console, nem um amigo de braço estentido que amacie a alma esburacada e, até a pele passa a ser virtual. Cada discurso é estéril, mesmo o mais sapiente. Quanto egoísmo, quanto propósito supérfluo, quantos acrobatas a ensaiar o mortal, ninguém sai sem cadastro! Quando nos desiludem já pouco se espera do ser humano, nada é mais que profundo vazio, frágil instante, sala de tortura, carne ardida, punhal num peito, voo de pássaro ferido, animal que uiva, como se o mundo fosse um castelo-fantasma e perdesse todo o sentido, ficando tão só a escuta do grande sismo silêncio que, a pouco e pouco, começa a ressoar na alma em desagregação, como nas margens do tempo.
Ainda assim, pálido e frio, especialista em fracassos, insiste entrar sem bússola no labirinto das emoções, de recomeçar e deixar o seu cartão de visita, dados pessoais e telemóvel: solitário, 40 anos, escondido nuns óculos escuros, talvez poeta, talvez humano, procura companheiro(a)...
Luís Galego é contista, natural de Lisboa, escreve para o Portal da Literatura(http://portaldaliteratura.com.cronicas/ ), para a revista Letras et cetera(http://nanquin.blogspot.com/) e é autor do blog http://infinito-pessoal.blogspot.com/ , do qual sou seguidora assídua, praticamente desde a criação deste blog.
Solitário procura companheiro(a)...
A solidão torna-se insuportável quando sobe pelo corpo, navega pelo sangue e se arruína em bebedeira de luto dentro do coração esfomeado, como um castigo, um amargo soneto à morte antecipada; a solidão é uma carteirista da felicidade alheia, uma cadela nocturna, uma máscara de morte. Convive com horas clandestinas, estrelas apagadas, chagas infernais. No desassossego da idade talvez fosse melhor partilhá-la com alguém a quem extorquir um pouco de ternura; talvez essa grave coima que é a solidão ficasse atenuada, se repartida com um qualquer, um companheiro de circunstância, uma mulher vendida aos ventos que se conhece na íntima noite numa rua vazia e difícil de encontrar. Há horas que são momentos de dor, jogos de relâmpagos e de cataclismos. Mas secam, porque a solidão também enlaça devagar, como uma deusa sonâmbula que desliza. Bruscamente tudo acontece: primeiro, a curiosidade, descoberta casta; depois, o desejo, desassossego na respiração; a seguir, a paixão que se desfaz na lua; e, por fim, entra em cena madame solidão, iluminada pelas luzes longas e em frente de uma cortina escura. Desiste-se, adoece-se, envelhece-se, geme-se como um animal estrangulado, morre-se mirrado até ao osso, sem conchego e sem deus. Sente-se as mãos molhadas do choro e já não se espera outra mulher que console, nem um amigo de braço estentido que amacie a alma esburacada e, até a pele passa a ser virtual. Cada discurso é estéril, mesmo o mais sapiente. Quanto egoísmo, quanto propósito supérfluo, quantos acrobatas a ensaiar o mortal, ninguém sai sem cadastro! Quando nos desiludem já pouco se espera do ser humano, nada é mais que profundo vazio, frágil instante, sala de tortura, carne ardida, punhal num peito, voo de pássaro ferido, animal que uiva, como se o mundo fosse um castelo-fantasma e perdesse todo o sentido, ficando tão só a escuta do grande sismo silêncio que, a pouco e pouco, começa a ressoar na alma em desagregação, como nas margens do tempo.
Ainda assim, pálido e frio, especialista em fracassos, insiste entrar sem bússola no labirinto das emoções, de recomeçar e deixar o seu cartão de visita, dados pessoais e telemóvel: solitário, 40 anos, escondido nuns óculos escuros, talvez poeta, talvez humano, procura companheiro(a)...
Luís Galego é contista, natural de Lisboa, escreve para o Portal da Literatura(http://portaldaliteratura.com.cronicas/ ), para a revista Letras et cetera(http://nanquin.blogspot.com/) e é autor do blog http://infinito-pessoal.blogspot.com/ , do qual sou seguidora assídua, praticamente desde a criação deste blog.