DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

24/05/2010

Língua: sabor & sabedoria

Uma representação de Oxalá

Oxalá é considerado como o criador do mundo, embora diga-se também, que na hora de fazê-lo tenha bebido demais de um certo vinho de palma, passando o encargo, então, a Odudua.
A mitologia africana tem isto de belo: possui sempre variantes de um mesmo mito - o que, longe de confundir, apenas enriquece as possibilidades de compreensão do mundo.
Neste mito que começamos a contar agora, vemos Oxalá na condição de regente do mundo. Como um bom deus da criação, ele está pensativo.
"Orunmilá tem se mostrado como um dos deuses mais sábios e ponderados", pensa o deus do pano branco. "Acho que está na hora de elevá-lo a um grau de importância maior neste mundo".
Uma dúvida, porém, muito comum nestes casos, impede a decisão final do deus.
"É inteligente, mas terá sabedoria suficiente para ocupar o cargo que pretendo oferecer-lhe?"
É preciso, pois, testar a sabedoria do deus.
- Já sei! - exclama Oxalá, dando um tapa na testa - Vou aplicar-lhe um teste de sabedoria!
No mesmo instante manda Exu, o deus mensageiro, trazer Orunmilá até si.
- Aqui estou, grande deus - diz Orunmilá.
- Meu querido amigo, quero que me faça algo.
- Pois não, grande deus.
- Quero que me prepare o melhor prato do mundo.
Orunmilá, que não era exatamente um cozinheiro, meio que vacilou.
- O melhor prato do mundo?
- Sim, aquele que esplende não só no sabor, como na sabedoria.
" Um prato que esplende tanto no sabor quanto na sabedoria!", pensa Orunmilá, a coçar a cabeça.
- Está bem, grande deus, terá o seu prato sábio e saboroso - diz ele, numa súbita iluminação.
Orunmilá sai correndo dalí e começa a preparar o tal prato. Dalí a algumas horas retorna com uma grande travessa fumegante.
- Trouxe o prato que lhe pedí? - diz Oxalá, a lamber-se todo.
- Sim, grande deus, aqui está o mais sábio e saboroso dos pratos.
Oxalá espiou para o interior da travessa e viu uma grande língua de touro cozida com inhame.
- Hum, esté belo, de fato! - disse o deus, lambendo-se todo outra vez. - Mas diga-me uma coisa: por que escolheste este prato para ser o mais perfeito de toda a culinária?
- É que além de ser muito saboroso, traz em si uma mensagem implícita.
- Uma mensagem implícita?
- Sim, a língua em sí é um símbolo muito poderoso. Por ela, podemos desejar saúde para os outros. Por ela, podemos falar bem dos amigos e proclamar a retidão e a justiça. Por ela, podemos exaltar os deuses e todas as virtudes que a eles conduzem. São incontáveis, enfim, os bens que uma língua pode produzir!
Oxalá ficou tão satisfeito com a resposta que abraçou Orunmilá depois de comer a língua inteira.
- Sua resposta mostrou-se tão sábia quanto seu prato mostrou-se delicioso! Agora,
meu querido amigo, quero que me prepare a pior comida possível!
Orunmilá embatucou outra vez.
- A pior comida possível?
- Exatamente.
Orunmilá levou consigo a travessa e esteve o restante do dia a preparar a pior comida possível, até que, já quase ao entardecer, retornou com sua travessa repleta outra vez.
Oxalá olhou para a travessa fumegante com o nariz torcido.
"O que será que ele trouxe?", pensou, certo de que veria algo inteiramente repugnante.
Entretanto, quando Ifã desceu do alto a sua travessa, lá estava outra vez a língua do touro acomodada entre os inhames.
- Língua de touro outra vez? - exclamou Oxalá, com uma nota de decepção em sua voz.
- Sim, grande deus!
- Mas não entendo! Como a língua pode ser ao mesmo tempo a melhor e a pior comida possível?
- Pode ser a pior também, grande deus, porque, com a língua os homens podem cometer perjúrio contra os deuses e contra eles próprios. Podem caluniar e intrigar. Podem dizer mentiras e induzir ao erro uma alma boa e ingênua. São incontáveis, enfim, os males que uma língua pérfida pode cometer!
- Sábias palavras, disse o deus.
Por causa das duas sapientíssimas respostas que escutou, Oxalá tornou Orunmilá o primeiro babalorixá do mundo, palavra africana que significa "pai dos segredos".




Extraído de "As melhores histórias da mitologia africana", de A.S.Franchini e Carmen Seganfredo - Artes e Ofícios Editora Ltda., 2008

12 comentários:

  1. ese fogón de leña me gustó mucho.
    un abrazo

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  2. Meu filho é filho de Oxalá!
    Eu sou filha de Oxum!

    Está muito bonita a imagem de cabeçalho e muito bacana o post.

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  3. Cirandeira, você é muito talentosa. Eu estou louca louca louca para aprender a pintar. Depois de julho, vou ter mais tempo e aí farei aulas. Adorei o seu trabalho. Gostei das cores, do movimento e da composição. Você é uma artista.

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  4. Quié isso!? Sou nada não, apenas passo pelas horas, tentando preenchê-las pra não ficar biruta, kkkkrrrsss!!!?

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  5. Entendo perfeitamente essa necessidade de arte para não "embirutar" :)
    O seu trabalho é muito bacana. Envie umas imagens dele para a gente colocar no cabeçalho do Mínimo Ajuste. A Lúcia Alfaya e a Ivonete já mandaram. Foram os cabeçalhos mais artísticos. Ah, a gente tem também um pequeno cadastro com as cidades em que cada um mora e o dia e o mês dos aniversários. Se quiser colocar os seus dados, deixa lá ou manda pelo email minimoajuste@gmail.com
    Beijo.
    Bípede

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  6. Oxalá...Oxalá...
    é o rei...
    venha me valer...

    Beijos
    gentis
    Leca

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  7. Adorei o texto! É lindo!

    Bjs e inté!

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  8. Conheci o blog através da visita que fez ao meu. Adorei tudo por aqui: o layout, as imagens, as postagens...
    Parabéns!

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  9. Cirandeira querida,
    Mesmo nessas férias na casa dos meus sogros, tô aqui com o notebook do serviço do meu marido visitando espaços maravilhosos como o seu.
    Que resgate cultural magnífico!
    Mas de você não esperamos menos que isso...
    Que Oxalá nos abençoe, amiga!
    Estamos precisando...
    Um beijão bem brasileiro!!!

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  10. Miga do coração, já frequentei muitas "roças" de Candomblé e centros de Umbanda e Espiritismo. Aliás, já visitei todas as religiões que pude. Não me defini por nenhuma, mas não me considero atéia e se o fosse teria toda a liberdade em sê-lo. Ocorre que um imbecil (é essa mesma a palavra) escreveu por lá, fez um postzinho pretensioso, metendo o sarrafo no Rio de Janeiro (ele é português) e malhando a Igreja Católica que tem lá seus problemas que todos conhecemos sobejamante. Esse cara (vou te enviar um e-mail completo quando voltar das férias), que "gosta muito de criancinha indefesa", quis desviar o foco das atenções que recaíam sobre ele para o catolicismo. Puxa, não é por aí...deu pra entender, né?
    No mais, lhe fico muito grata por suas lições de Pura Brasilidade e Inteligência.
    Você é o máximo!!!Bjsss

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  11. Gostei muito desta postagem. Obrigado. Posso levar para Cores e Palavras? Com todos os créditos ao seu blog, claro.
    A pintura do topo está linda... foi voce, artista?
    Kandandu

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  12. É claro que pode, Namibiano. Para mim é uma honra e um grande prazer participar do 'Cores e Palavras' !
    A pintura do topo da página? Sim, fui eu que "a cometí", há algum tempo atrás!
    Obrigada pelos elogios.

    kandandu

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