A escritora Azar Nafisi nasceu no Irã e aos 13 anos de idade foi morar na Inglaterra com os pais. Concluiu seu doutorado em literatura inglesa, na Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Em 1979, após a queda da ditadura e a fundação da República Islâmica, retornou ao seu país com a esperança de encontrar grandes transformações políticas, mas deparou-se com um regime de terror imposto pelos aiatolás. Ainda assim, permaneceu em Teerã por 18 anos. Lecionou literatura inglesa na Universidade de Teerã de 1979 a 1981, quando foi expulsa por recusar-se a usar o véu. Tornou-se conhecida mundialmente a partir da publicação de seu livro "Lendo Lolita em Teerã", traduzido em 32 idiomas. Atualmente, vive em Washington e escreve regularmente para "The New York Times", "The Washington Post" e "The Wall Street Journal".
Através de seu livro podemos conhecer o cotidiano da vida de oito mulheres que se encontram secretamente para estudar a literatura ocidental proibida em seu país. Durante 2 anos, a autora e mais sete jovens, liam em conjunto, obras clássicas da literatura, como Madame Bovary(de Flaubert), Lolita (de Nabokov), Orgulho e preconceito (de Jane Austen), entre outras obras que estavam sob censura. Sua narrativa remonta aos primeiros dias da revolução islâmica liderada pelo aiatolá Khomeini, em 1979, quando começou a lecionar na Universidade de Teerã.
Segue abaixo alguns trechos dessa obra que recomendo com entusiasmo:
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Numa manhã de quinta-feira, tão quente que parecia que o calor havia entranhado em nossa casa refrigerada, sete de nós conversávamos antes de a aula começar. Falávamos sobre Sanaz. Ela perdera a aula da semana anterior e nem sequer telefonara para dar uma explicação, e agora não sabíamos se viria outra vez. Ninguém, nem mesmo Mitra, sabia qualquer coisa sobre ela. Imaginávamos que talvez seu irmão problemático tivesse aprontado novamente. O irmão de Sanaz era um assunto constante em nossas conversas, um de uma série de vilões masculinos que ressurgiam a cada semana.
- Nima me disse que não compreendemos a dificuldade que os homens têm que enfrentar no Irã - disse Manna com um tom de sarcasmo. - Eles também não sabem como agir. Às vezes se comportam como machos provocadores e tirânicos porque se sentem vulneráveis.
- Bem, essa é uma verdade - eu disse. - Afinal, é preciso duas pessoas para que haja um relacionamento, e quando se transforma a metade da população em seres invisíveis, a outra metade também sofre.
- Pode imaginar um tipo de homem que se sente sexualmente provocado somente por ver um cacho dos meus cabelos? - perguntou Nassrin. - Alguém que enlouquece ao visualizar o dedão do pé de uma mulher...uau! - ela continuou - Meu dedão é uma arma letal!
- As mulheres que se cobrem estão ajudando e favorecendo o regime - disse Azin, desafiadora.
Mahshid permaneceu em silêncio, seus olhos fixos no pé de ferro da mea.
- E aquelas cuja marca registrada é pintar seus lábios de vermelho forte e flertar com os professores - disse Manna com uma expressão gelada, - suponho que estejam fazendo tudo isso em prol da causa? - Azin ficou vermelha e não disse nada.
- Que tal mutilar os genitais masculinos - Nassrin sugeriu friamente - para diminuir seu apetite sexual? Ela estava lendo o livro de Nawal al-Sadwi sobre a brutalidade contra as mulheres em algumas sociedades muçulmanas. Sadawi, uma médica, fizera pesquisas minuciosas para explicar os efeitos horrendos da mutilação genital de meninas para controlar suas inclinações sexuais.
- Eu estava trabalhando sobre esse texto no meu projeto de tradução...
- Seu projeto de tradução? - perguntei
- Sim, não se lembra? Eu disse a meu pai que estava traduzindo textos islâmicos para ajudar Mahshid.
- Achei que era somente uma desculpa para você poder vir às aulas. - disse.
- Era uma desculpa, mas decidí fazer essas traduções pelo menos três horas por semana, às vezes mais, pelas mentiras extras. Firmei um compromisso com a minha consciência - disse ela com um sorriso.
- Tenho que lhes dizer que o próprio aiatolá Khomeini não era um noviço em assuntos sexuais - Nassrin continuou - Traduzí seu magnum opus, Os princípios políticos, filosóficos, sociais e religiosos do aiatolá Khomeini, e há nele muitas observações interessantes.
- Mas esse livro já foi traduzido - disse Manna - Qual é o seu objetivo?
- Sim - respondeu Nassrin - partes do livro foram traduzidas, mas se transformaram em piadas, e desde que as embaixadas no exterior descobriram que as pessoas estavam lendo o livro não por sua mensagem edificante, mas por diversão, as traduções se tornaram obras raras. Bem, de qualquer modo, minha tradução é completa, com referências a outras obras. Vocês sabiam que uma das maneiras de curar o apetite sexual de um homem é por meio de relações com animais? Há também o problema do sexo com galinhas. Você tem que se perguntar se um homem que teve relações sexuais com uma galinha, pode comer a galinha depois. Nosso líder nos forneceu uma resposta: Não, nem ele, nem a sua família, nem seu vizinho da porta ao lado podem comer a carne da galinha; mas não há problema se um vizinho que mora duas casas depois da sua comer a galinha. Será que meu pai prefere que eu passe meu tempo lendo esse tipo de texto ou de Jane Austen ou Nabokov? - disse ela, maliciosamente.
Não nos assustamos com as alusões eruditas de Nassrin à obra do aiatolá Khomeini. Ela se referia a um famoso texto de Khomeini, o equivalente a uma tese - um requisito para alcançar o grau de aiatolá - destinada a responder às questões e aos dilemas que seus discípulos poderiam lhes apresentar.(.....) O que era assustador era o fato de esses textos serem levados a sério pelos governantes, em cujas mãos repousavam os nossos destinos e o destino do nosso país. Todos os dias, em rede nacional de televisão e de rádio, esses guadiões da moralidade e da cultura faziam afirmações semelhantes e discutiam esses assuntos como se fossem temas sérios para refletir e meditar....
gracias por compartirnos este post.
ResponderExcluirun abrazo
Genial a obra! Fico a pensar em quantas desgraças inda hão de se perpetuar pela religião que aprisiona e que despreza a religiosidade que liberta... :/
ResponderExcluirSem palavras...isto é claramente tomar o nome de Deus-de Alá neste ponto-em vão.
ResponderExcluirInteressante livro,procurarei!
O livro...pelo trecho que você postou...parece uma maravilha...vou anotar o nome no meu caderninho...e as fotos...um mundo tão distante e tão próximo ao mesmo tempo...
ResponderExcluirBeijos gentis...
Leca
Estou de volta,apesar de ainda estar 'canjiquinha'(mineirês:toda quebradinha)...rs.
ResponderExcluirObrigada pelo carinho nestes momentos difíceis que vivi!
Há um bálsamo em Gileade!
Bjs!
Olá!
ResponderExcluirVi você no blog da Ju Rigoni. Vim espiar e adorei!
Já virei fã e seguidora, viu?
Abraços
Lia
Blog Reticências...
http://liaks25.blogspot.com/