De mil experiências que fazemos, no máximo conseguimos traduzir uma em palavras, e mesmo assim de forma fortuita e sem o merecido cuidado. Entre todas as experiências mudas permanecem ocultas aquelas que, imperceptivelmente, dão às nossas vidas a sua forma, o seu colorido e a sua melodia. Quando depois, tal qual arqueólogos da alma, nós nos voltamos para nossos tesouros, descobrimos quão desconcertantes elas são. O objeto da observação se recusa a ficar imóvel, as palavras deslizam para fora da vivência e o que resta no papel no final não passa de um monte de contradições. Durante muito tempo acreditei que isso era um defeito, algo que deve ser vencido. Hoje penso que é diferente, e que o reconhecimento de tamanho desconcerto é a via régia para compreender essas experiências ao mesmo tempo conhecidas e enigmáticas. Tudo isso parece estranho, eu sei, até mesmo extravagante. Mas desde que passei a ver as coisas assim, tenho a sensação de, pela primeira vez,
estar atento e lúcido.
Trecho extraído do romance Trem noturno para Lisboa, de Pascal Mercier, pseudônimo de Peter Bieri - Berna, Suíça
Gostei muito desse trecho. Pretendo ler o livro.
ResponderExcluirObrigada pela partilha, Cirandeira.
Beijos!