DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

23/01/2014

Escritor versus Ficção

Alberto Burri
 
 
[...] não há necessariamente uma ligação entre o mundo tão interessante que o escritor cria na mente do leitor e os fatos da vida do escritor, até porque escrever é uma profissão sedentária de classe média, que consome tempo demais para deixar oportunidades de sobra para se ter uma vida interessante. Alguns autores, como Joseph Conrad, tiveram vidas interessantes em sua juventude, e depois disso se aquietaram e escreveram sobre o que tinham vivido, mas a maioria de nós, como ostras, precisa apenas de minúsculas irritações para levar adiante sua existência.
Há também escritores para quem escrever é um feitiço contra a intolerável realidade, e,  para esses, as diferenças entre os fatos vividos e as histórias imaginadas são muito maiores exatamente quando ambas são quase idênticas.
[...] "Nunca queremos que os fatos entrem em choque com a verdade", declarou o romancista Roberto Stone, cuja juventude foi quase tão aventureira quanto a de Conrad e um bocado mais desregrada. "É por isso que a ficção dá mais satisfação do que a não-ficção". Ou seja, mentir faz parte do ofício criativo dos escritores: eles pegam o que sabem, distorcem como lhes convém, depois culpam a imaginação como resultado. Mas a única área em que o autêntico escritor nunca mente é na própria arte de escrever, o trabalho árduo, doloroso e implacável de por as palavras no papel com precisão e contenção. É um ofício, como o de carpinteiro ou de pedreiro, que tem muito pouco a ver com a personalidade pública do escritor ou mesmo com a sua imagem particular que ele tem de si mesmo.
 
A. Alvarez (Alfred), em A voz do escritor - Editora Civilização Brasileira. É poeta, romancista e crítico literário. Nasceu em Londres, 1929. É autor de "O deus selvagem", entre outros
 
 


Um comentário:

  1. Coincidentemente, escrevi há poucos dias que a ficção é mais real do que a realidade. A ficção é real. Cresci olhando o mundo pelas janelas do livro. Quando saí, espantou-me o que lá fora chamava-se de realidade. Excelente texto.

    Beijos, Ci, saudades...

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