DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

11/01/2014

O coração das trevas

 
Sebastião Salgado
 
 
Quando escreveu O coração das trevas Joseph Conrad (1857-1924) estava com quarenta e cinco anos e já havia viajado por vários continentes  como marinheiro; durante dezesseis anos de sua vida  percorreu a África, Ásia, América e Europa. Seus relatos não são autobiográficos, mas de um observador que conhece profundamente os meandros da alma, aquela feita do barro em que foi moldado o ser humano, um barro extraído das margens lamacentas dos rios, das matas selvagens habitadas por criaturas primitivas, indefesas e vulneráveis aos ataques do homem branco inescrupuloso e ávido por dinheiro. Francis Ford Coppola adaptou o romance sob o título de "Apocalipse Now".
Conrad era polonês, de Berdichev e ainda criança teve que acompanhar os pais em fuga por causa de perseguição política. No meio do caminho perdeu a mãe, que contraiu tuberculose, poucos anos depois, aos seis anos perdeu o pai, passando a viver sob os cuidados de familiares. Peregrinações pra la e pra cá fizeram com que fosse viver na Inglaterra onde aprendeu inglês tão perfeitamente que escreveu toda a sua obra nesse idioma. São dele também Lorde Jim, Tufão, O agente secreto, Nostromo,  entre outros.
Transcrevo aqui alguns trechos do livro:
 
 
[...] O lugar parecia extraterreno. Estávamos habituados a vê-lo sob a forma de um monstro agrilhoado e domado, mas ali - o que víamos ali era uma coisa monstruosa e livre. Era algo extraterreno, e os homens eram...não, não eram inumanos. Bem, vocês sabem, não há nada pior do que a suspeita de que não eram inumanos. E essa desconfiança pouco a pouco se apoderava de nós. Uivavam, saltavam, rodopiavam e faziam caretas horrendas; mas o que mais impressionava era a ideia de que eram criaturas humanas...como nós, a ideia de que havia um remoto parentesco entre nós e aquele selvagem e apaixonado furor. (...) A mente humana é capaz  de qualquer coisa - porque tudo está nela, todo o  passado bem como todo o  futuro.
 
 
[...] Sim, eu olhava para eles como vocês fariam com relação a qualquer ser humano, com curiosidade sobre seus impulsos, motivos, capacidades, fraquezas, postos à prova diante de uma necessidade física inexorável. Um freio! Que tipo de freio poderia ser esse? Superstição, repugnância, paciência, medo - ou alguma primitiva noção de honra? Nenhum medo pode suportar a fome, nenhuma paciência pode esgotá-la, a repugnância simplesmente não existe onde há fome; e quanto a superstições, crenças e o que poderia chamar de princípios são menos do que  palha soprada pelo vento. Vocês têm ideia do que seja o suplício de uma fome prolongada, conhecem seu exasperante tormento, os negros pensamentos e a terrível ferocidade que ela inspira constantemente? Bem , eu conheço. Um homem necessita de toda a sua força inata para combater a fome de forma apropriada. É realmente mais fácil enfrentar a desgraça, a desonra e a perdição da própria alma - do que a fome permanente.
 
Li esse livro há alguns anos atrás. Relendo-o agora sinto como se fosse a primeira vez. Estou fascinada!!!


Um comentário:

  1. As, só nessa amostra aqui já me deu comichão pra ler...rs Sempre pérolas, Ci! Sempre, heim?
    Beijos

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