DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

05/08/2015

Um conto de Augusto Monterroso






Os animais se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distinguí-los deste. 



A girafa que compreendeu logo que tudo é relativo


Faz muito tempo, em um país distante, vivia uma girafa de estatura regular, mas tão descuidada que uma vez saiu da selva e se perdeu. Desorientada como sempre, pôs-se a caminhar às cegas daqui para lá, e por mais que se agachasse para encontrar o caminho, não o encontrava. Assim deambulando, chegou a um desfiladeiro onde naquele momento ocorria uma grande batalha. Apesar das baixas serem muito grandes em ambos os lados, nenhum estava disposto a ceder um milímetro de terreno. Os generais discutiam com suas tropas de espadas erguidas, ao mesmo tempo que a neve se manchava de púrpura com o sangue dos feridos. Entre o fumo e o estrépito dos canhões se viam caindo os mortos de um e de outro exército, com tempo apenas para recomendar suas almas ao diabo; porém, os sobreviventes continuavam disparando com entusiasmo até que chegasse a sua vez e caíssem com um gesto estúpido acreditando que a História iria considerar heróico, pois morriam para defender sua bandeira; e realmente a História assim os considerava já que cada lado escrevia sua própria história; Wellington era um herói para os ingleses e Napoleão era um herói para os franceses. Enquanto isso, a girafa continuava caminhando, até chegar a uma parte do desfiladeiro onde estava montado um enorme canhão, que naquele exato momento disparou a uns vinte centímetros  acima de sua cabeça, mais ou menos. Ao ver a bala passar tão perto enquanto seguia com a vista sua trajetória a girafa pensou: "Que bom que não sou alta, pois se meu pescoço medisse mais trinta centímetros  essa bala teria arrebentado a minha cabeça; ou, que bom que essa parte do desfiladeiro onde está o canhão não é tão baixa, pois se medisse trinta centímetros a menos a bala também teria arrebentado a minha cabeça. Agora compreendo como tudo é relativo".     

Augusto Monterrosso nasceu em 1921, na Guatemala. Em 1944, mudou-se para o México e, depois de muito observar a fauna daquele país e de outros, se convenceu de que "os animais se parecem tanto com o homem que às vezes é impossível distingui-los deste". Dele disse o escritor russo Isaac Asimov: "Os pequenos textos de A ovelha negra e outras fábulas, de Augusto Monterroso, aparentemente inofensivos, mordem os que deles se aproximam sem a devida cautela e deixam cicatrizes. Não por outro motivo são eficazes. Depois de ler "O macaco que quis ser escritor satírico", jamais voltei a ser o mesmo."
Foi agraciado, em 2000, com o Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras. Um dos escritores latinos mais notáveis,  "O dinossauro", uma de suas obras mais célebres, é considerado o menor conto da literatura mundial: "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá".
Augusto Monterroso faleceu em fevereiro de 2003.

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