Que o mundo «está infestado com a escória do gênero humano» é perfeitamente verdade. A natureza humana é imperfeita. Mas pensar que a tarefa da literatura é separar o trigo do joio é rejeitar a própria literatura. A literatura artística é assim chamada porque descreve a vida como realmente é. O seu objetivo é a verdade - incondicional e honestamente. O escritor não é um confeiteiro, um negociante de cosméticos, alguém que entretém; é um homem constrangido pela realização do seu dever e sua consciência. Para um químico, nada na terra é puro. Um escritor tem de ser tão objectivo como um químico.
Parece-me que o escritor não deveria tentar resolver questões como a existência de Deus, pessimismo, etc. A sua função é descrever aqueles que falam, ou pensam, acerca de Deus e do pessimismo, como e em que circunstâncias. O artista não deveria ser juiz dos seus personagens e das suas conversas, mas apenas um observador imparcial.
Têm razão em exigir que um artista deva ter uma atitude inteligente em relação ao seu trabalho, mas confundem duas coisas: resolver um problema e enunciar corretamente um problema. Para o artista, só a segunda cláusula é obrigatória.
Acusam-me de ser objetivo, chamando-me de indiferente em relação ao bem e ao mal, falta de ideias e ideais, etc. Querem que, ao descrever ladrões de cavalos, diga: «Roubar cavalos é mau». Mas isso é sabido há séculos sem que eu tenha de dizê-lo. Deixem que um júri os julgue; a minha tarefa é simplesmente mostrar que gênero de pessoas são. Escrevo: estão a lidar com ladrões de cavalos e, assim, deixem-me dizer-lhes que não são mendigos, mas gente bem alimentada que segue um culto especial e que roubar cavalos não é simplesmente roubo, mas uma paixão. Claro que seria agradável combinar arte com sermões, mas, quanto a mim, é impossível, por questões técnicas. Para descrever ladrões de cavalos em setecentas linhas, tenho de falar, pensar e sentir à maneira deles. De outro modo, a história não será tão compacta como os contos deveriam ser. Quando escrevo, conto inteiramente com o leitor para que este acrescente os elementos subjetivos que faltam na história.
Anton Tchekhov, era médico, dramaturgo e escritor. Nasceu em 1860 em Taganrov, na Rússia e faleceu em 1904 na Alemanha. Deixou-nos uma vasta obra literária abrangendo peças teatrais e inumeráveis contos. Entre suas peças mais conhecidas podemos mencionar O jardim das cerejeiras, A gaivota, As três irmãs. Entre os inúmeros contos estão O beijo, A dama do cachorrinho, A arte da simulação, O escritor, O espelho, A morte do funcionário, Um homem extraordinário, Enfermaria número seis, e muitos outros.
Muito bom, muito lúcido. Curiosamente ainda há gente que crê que a literatura deva portar de modo literal exortações, ou intenções morais, didáticas, proposições lógico-filosóficas, ou o que valha, como em breviários ou manuais de boas maneiras. Quão empobrecedor isso seria, né?
ResponderExcluirAcredita que de Tchekhov apenas li A três irmãs e um conto cujo título não recordo. Uma falta a ser preenchida, sem dúvida.
Um beijo, Cirandeira.