DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

08/03/2017

Noémia de Sousa - BASTA !

 


“Bates-me e ameaças-me
Agora que levantei minha cabeça esclarecida
E gritei: “Basta!” (…) Condenas-me à escuridão eterna
Agora que minha alma de África se iluminou
E descobriu o ludíbrio  E gritei, mil vezes gritei: _Basta!”.
Armas-me grades e queres crucificar-me
Agora que rasguei a venda cor-de-rosa
E gritei: “Basta!”
 
Condenas-me à escuridão eterna Agora que minha
alma de África se iluminou E descobriu o ludíbrio..
E gritei, mil vezes gritei: _Basta!_
 
Ò carrasco de olhos tortos,
De dentes afiados de antropófago
E brutas mãos de orango:
 
Vem com o teu cassetete e tuas ameaças,
Fecha-me em tuas grades e crucifixa-me,
Traz teus instrumentos de tortura
E amputa-me os membros, um a um…
 
Esvazia-me os olhos e condena-me à escuridão eterna… –
que eu, mais do que nunca,

Dos limos da alma,
Me erguerei lúcida, bramindo contra tudo: Basta! Basta! Basta!”



 Esse poema faz parte da coletânea de poemas "Sangue negro" (1990), que obteve uma reedição em 2011 pela editora Marimbique, com o objetivo de resgatar a obra poética e de luta da autora. 

 


Se me quiseres conhecer

Se me quiseres conhecer,
estuda com os olhos bem de ver
 esse pedaço de pau preto
que um desconhecido irmão maconde
de mãos inspiradas talhou e trabalhou
em terras distantes lá do Norte.

Ah, essa sou eu:
órbitas vazias de possuir a vida,
boca rasgada em feridas de angústia,
mãos enormes, espalmadas,
erguendo-se em jeito de quem implora e ameaça,
corpo tatuado de feridas visíveis e invisíveis
pelos chicotes da escravatura...
Torturada e magnífica,

altiva e mística
África da cabeça aos pés,
-ah, essa sou eu:

se quiseres compreender-me
vem debruçar-te sobre minha alma de África,
nos gemidos dos negros no cais
nos batuques frenéticos dos muchopes
na rebeldia dos machanganas
na estranha melancolia se evolando
duma canção nativa, noite dentro...

e nada mais me perguntes,
se é que me queres conhecer...
Que não sou mais que um búzio de carne,
onde a revolta de África congelou
seu grito inchado de esperança.


Noémia de Sousa nasceu em Lourenço Marques, atualmente Maputo, capital de Moçambique, em 1926, e faleceu em 2002, na cidade de Cascais, Portugal.


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