Os debates financeiros e econômicos cessaram na tribuna da Câmara e nas colunas dos jornais.
Foi um regalo este debate, com o qual muito gozei, ao apreciar a dança de apaches dos algarismos.
Apareciam tantos que me estonteavam; eu, porém, teimava em ler os discursos e os artigos.
Falava-se de dinheiro, de libras, de francos, de dólares e as cifras enormes, fantásticas, de todas as moedas do mundo, só com a leitura delas, eu me sentia um pouco rico.
Tenho esse mau hábito de sonhar, de representar nitidamente o que me sugere a leitura; de modo que, vendo falar em milhões, em milhares de contos, eu apalpava, eu acariciava montões de libras nas minhas algibeiras ou as fazia escachoar lentamente das minhas mãos para cima da minha mesa de trabalho.
Nunca vi ronda tão inverossímil de dinheiro como nessa discussão.
O Brasil é assim tão rico, pensei eu; e eu sou brasileiro, devo ser também alguma coisa rico. Convenci-me de tal fato, que já me havia ensinado um preto
velho que tinha em casa. Muitas vezes ele me disse:
- Seu F. !
- Que é?
- O senhor por que não compra uma casa?
- Porque não tenho dinheiro.
- Quá! O senhor tem!
- Onde?
- No Banco do Brasil
- Como?
- O senhor é brasileiro; o banco é do Brasil; o senhor chega lá e tira o dinheiro.
Está aí - rematava o velho africano.
Não segui o conselho dele. Não fui ao Banco do Brasil; mas, cada vez que me sinto mais pobre, mais me extasio com os algarismos das discussões financeiras. É o meu consolo.
* Crônica de Lima Barreto, publicada na Revista Careta nº 620 em 25.09.1920, sob o pseudônimo de Jonathan.
* Crônica de Lima Barreto, publicada na Revista Careta nº 620 em 25.09.1920, sob o pseudônimo de Jonathan.