Poesia:
Porque vieste hoje,
precisamente hoje, que não te posso receber?
Hoje,
em que tudo tem uma cor
de pesadelo e em que até minha irmã a lua
não veio, com a sua carícia fraterna, dar-me calma?
Oh Poesia,
não, não venhas hoje!
Não vês que a minha alma
não te pode compreender?
Que está fechada,
cercada, fatigada,
e nada mais quer
senão chorar?
Hoje, eu só saberei cantar
a minha própria dor...
Ignoraria
tudo o que tu, Poesia,
me viesses segredar...
E a minha dor,
que é a minha dor egoísta e vazia,
comparada aos sofrimentos seculares
de irmãos aos milhares?
Bem sei que as minhas frouxas lágrimas
nem o mais humilde poema valeriam...
E se tu sabes que é assim, oh! Poesia!
será melhor que fiques lá onde estás,
e não venhas hoje, não!
Noémia de Sousa (Catembe, Moçambique - 1926-2002) em Sangue Negro -
Editora Kapulana, São Paulo, 2016
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