DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

24/07/2018

A baleia azul




Nos idos de 1960/70 a literatura latino-americana passou por uma efervescência fabulosa; autores como G. G. Márquez, Carlos Fuentes, José Donoso, José Maria Arguedas, Juan Carlos Onetti e Juan José Arreola nos presentearam com verdadeiras obras primas!
Uma delas é a  de Arreola, que transcrevo abaixo:


Interview

- Por fim, os leitores gostariam de saber em que está trabalhando
atualmente. Poderia dizer?
- Na noite passada ocorreu-me uma ideia, não sei...não sei...
- Diga assim mesmo.
- Seria alguma coisa como uma baleia. É a esposa de um jovem poeta, digamos, um homem simples e comum...
- Ah, sei! A baleia que engoliu Jonas.
- Sim, sim, mas não somente Jonas. Uma espécie de baleia total,
que carrega dentro de si todos os peixes que se entredevoram, é claro, sempre o maior comendo o menor, e começando pelo infusório microscópico.
- Muito bem, muito bem! Quando era criança eu também imaginei
um animal assim, masque era talvez um canguru em cuja bolsa...
- Bem, na verdade não vejo inconveniente algum em substituir a imagem da baleia pela do canguru. Simpatizo com os cangurus,
com essa grande bolsa em que o mundo pode caber completamente
Apenas, você sabe, tratando-se da esposa de um jovem poeta, a imagem da baleia é muito mais sugestiva. Uma baleia azul, se prefere, para não deixar de lado a elegância.
- E como lhe surgiu a ideia?
- Foi um presente do próprio poeta, marido da baleia.
- Como é isso?
- Num dos seus mais belos poemas ele se concebe a si mesmo como
uma rêmora pequenina aderida ao corpo da grande baleia noturna, a esposa adormecida que o conduz em seu sonho. Essa enorme baleia feminina significa mais ou menos o mundo, do qual
o poeta só pode cantar um fragmento, uma nesga da doce pele que
o alimenta.
- Receio que suas palavras desconcertem os leitores. E o diretor, sabe como é...
- Nesse caso dê uma interpretação tranquilizadora das minhas ideias. Diga simplesmente que a baleia tragou a todos nós, eu, você, os leitores da revista e o diretor. Que vivemos nas suas entranhas, que ela nos digere lentamente, e lentamente vai nos atirando ao nada...
- Muito bem. Não precisa acrescentar coisa alguma: é perfeito, está dentro do estilo da nossa revista. Apenas uma coisa mais: pode ceder-nos uma fotografia sua?
- Não. Prefiro dar uma visão panorâmica da baleia. Todos nós estamos representados nela. Com um pouco de esforço posso ser
distinguido perfeitamente - não recordo bem onde - envolto numa
pequena auréola.


 Juan José Arreola em Confabulário total - Jalisco (México), 1918-2001.

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