POEMA(S) DA CABRA
A cabra é negra. Mas seu negro
não é o negro do ébano douto
(que é quase azul) ou o negro rico
do jacarandá (mais bem roxo).
O negro da cabra é o negro
do preto, do pobre, do pouco.
Negro da poeira, que é cinzento.
Negro da ferrugem, que é fosco.
A cabra é o melhor instrumento
de verrumar a terra magra.
Por dentro da serra e da seca
nada chega onde chega a cabra.
A cabra é trancada por dentro.
Condenada à caatinga seca.
Liberta, no vasto sem nada,
proibida, na verdura estreita. O
núcleo da cabra é visível
debaixo do homem do Nordeste.
Da cabra lhe vem o escarpado
e o estofo nervudo que o enche.
A cabra deu ao nordestino
esse esqueleto mais de dentro:
o aço do osso, que resiste
quando o osso perde o seu cimento.
João Cabral de Melo Neto - 1920-1999
João Cabral de Melo Neto o nosso pernambucano, grande poeta, embaixador e primo pelo lado paterno, de Manuel Bandeira e, pelo lado materno, de Gilberto Freyre.
ResponderExcluirFoi inovador num novo modo de fazer poesia em nossa literatura
“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos”.
Beijo e um bom findi.
A cabra, trancada por dentro, é o melhor instrumento de verrumar a terra magra.
ResponderExcluirObra-prima, como tudo do João Cabral.
Na mosca, Cirandeira!