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Upa ! Cá estamos. Custou-te, não, leitor amigo? É para que não acredites nas pessoas
que vão ao Corcovado, e dizem que ali a impressão da altura é tal, que o homem fica sendo coisa nenhuma. Opinião pânica e falsa como Judas e outros diamantes. Não creias tu nisso, leitor amado. Nem Corcovados, nem Himalaias valem muita coisa ao pé da tua cabeça, que os mede. Cá estamos. Olha bem que é a cabeça do cônego. Temos à escolha um ou outro dos hemisférios cerebrais; mas vamos por este, que é onde nascem os substantivos. Os adjetivos nascem no da esquerda. Descoberta minha, que, ainda assim, não é a principal, mas a base dela, como se vai ver. Sim, meu senhor, os adjetivos nascem de um lado, e os substantivos de outro, e toda sorte de vocábulos está assim dividida por motivo da diferença sexual...
- Sexual ?
Sim, minha senhora, sexual. As palavras têm sexo. Estou acabando a minha grande memória psico-léxico-lógica, em que exponho e demonstro esta descoberta. Palavra tem sexo.
- Mas, então, amam-se umas às outras ?
Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas é o que chamamos estilo. Senhora minha, confesse que não entendeu nada.
- Confesso que não.
Pois entre aqui também na cabeça do cônego. Estão justamente a suspirar deste lado. Sabe quem é que suspira? É o substantivo de há pouco, o tal que o cônego escreveu no papel, quando suspendeu a pena.
Joaquim Maria Machado de Assis ( Contos, Vol. 1)
Olá carmem
ResponderExcluirTambém Manoel de Barros fala dessa afinidade entre as palavras no poema DISFUNÇÃO, ele escreve: “Há nas cabeças dos poetas um parafuso de a menos
Sendo que o mais justo seria o de ter um parafuso trocado de que a menos
A troca de parafusos provoca nos poetas uma certa disfunção lírica"
Ele enumera essas disfunções em 7 itens e no 4º ele diz: Gostar de fazer casamentos incestuosos entre palavras.
Desejo uma ótima semana para você.
Beijo