DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

29/11/2009

"FLOR NACIONAL"


Toda a gente diante da vitória-régia fica atraído, como Saint-Hilaire ou Martius,
ante o Brasil. Mas vão pegar a flor pra ver o que sucede! O caule e as sépalas, escondidos na água, espinham dolorosamente. A mão da gente se fere e escorre sangue. O perfume suavíssimo que encantava de longe, de perto dá náusea, é enjoativo como o que. E a flor, envelhecendo depressa, na tarde abre as pétalas centrais e deixa ver no fundo um bandinho nojento de besouros, cor de rio do Brasil, pardavascos, besuntados de pólen. Mistura de mistérios, dualidade interrogativa de coisas sublimes e coisas medonhas, grandeza aparente, dificuldade enorme, o melhor e o pior ao mesmo tempo, calma tristonha, ofensiva, é impossível a gente ignorar que a nação representa essa flor...


Mário de Andrade (1893-1945) - Crônica publicada no "Diário Nacional", de 07/01/1930- São Paulo, Duas Cidades - 1976

20/11/2009

DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA !




Neste dia em que relembramos o dia do assassinato do líder negro ZUMBI DOS PALMARES, ocorrido em 1695, quero deixar registrado o meu abraço fraterno e solidário a todos os negros do Brasil e do continente africano, que ainda hoje são vítimas do preconceito de cor e da discriminação social e econômica. Embora tenha havido avanços no sentido de acabar com tudo isso, ainda temos muito a caminhar...!

18/11/2009

Arte Afro-Brasileira II - um pintor e um poeta

"Retrato de Mulher", de Benedito José Tobias( 1894-1963)
Solano Trindade(ao centro), em Embu(SP) - 1969

Eita negro!

Quem foi que disse que a gente

não é gente?

Quem foi esse demente,

se tem olhos não vê...

Que foi que fizeste mano,

pra tanto falar assim?

- Plantei nos canaviais do nordeste

- E tu mano, o que fizeste?

- Eu pantei algodão nos campos do sul

pros homens de sangue azul,

que pagavam o meu trabalho

com surra de cipó-pau

- Basta mano, pra eu não chorar

- E tu Ana, conta-me tua vida

na senzala, no terreiro

- Eu...

cantei embolada pra sinhá dormir,

fiz tranças nela, pra sinhá sair...


Francisco Solano Trindade, nasceu em Recife(PE), em 1908. Poeta, folclorista, teatrólogo e pintor. Faleceu no Rio de Janeiro em 1974

17/11/2009

Arte Afro-brasileira - um pintor e um poeta

"Cena de candomblé", de Wilson Tibério(1923-2005)



TREZE

Cansado de ser servido em prantos

regados de cor e som

para comensais risonhos,

que dilaceram nossos valores

com os dentes afiados,

quero agora no momento lúcido,

gritar o necessário fato,

de que os treze ou treze

não nos diz nada além

do que vocês, caros convivas,

querem mostrar, encobrir, ostentar.

Criaram fotos coloridas, comemorações festivas,

toques de tambores e atabaques,

para mostrar que somos livres,

felizes, e aceitos.

Tolas mentiras!

Somos sim,

lascas de suor,

cortes de chicotes,

cheiros de fogão

entradas de serviço.

Precisamos fazer algo sim

para que ao invés

do paternalismo brutal

da gentil princesinha

haja a liberdade

de podermos realmente

abrir a porta desta senzala

para fazer a festa da cor real

do som dos atabaques

de danças e corpos

que rasgarão a noite,

os tempos,

no verdadeiro canto

da ABOLIÇÃO que ainda não houve.


De "O Arco-Íris Negro", de José Carlos LIMEIRA Marinho Santos, poeta baiano de Salvador(BA)

14/11/2009

AS PALAVRAS...



São como um cristal, as palavras.

Algumas um punhal, um incêndio.

Outras, orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.

inseguras, navegam;

barcos ou beijos, as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes, leves

Tecidas são de luz

e são a noite

E mesmo pálidas, verdes paraísos

lembram ainda

Quem as escuta?

Quem as recolhe assim,

nas suas conchas puras?


Eugênio de Andrade (1923-2005)

O QUE VOU DIZER DA POESIA?



Mas o que vou dizer da poesia?


O que vou dizer destas nuvens,


deste céu?


Olhar, olhar, olhá-las


olhá-lo e nada mais.


Compreenderás que um poeta

Itálico
não pode dizer nada da poesia.


Isso fica para os críticos e professores.


Mas nem tu, nem eu, nem poeta algum


sabemos o que é a poesia...



Federico Garcia Lorca (1898-1936), poeta e dramaturgo espanhol assassinado durante a guerra civil espanhola.

10/11/2009

O Amazonas e as Icamiabas...

a fruta do guaraná




O Homem e a terra


A terra cansando
dos anos compridos
de extrativismo
na selva
no rio
na rua
na mente

O homem cansado
de andar pelo tempo
sozinho sozinho
no meio da mata
na beira do rio
à margem da vida

Velhas estórias
de água e florestas

O homem e a terra
Eu canto para o homem


Alcides Werk (Gomes de Matos) Aquidauana(MT) - 1934-2003
vitória-régia
A história da região amazônica, segundo os pesquisadores, teve início bem antes do "descobrimento" do Brasil, quando o atual território era povoado por índios das nações Gê, Aruaque e muitas outras. O conhecido rio Amazonas era chamado de rio das Icamiabas, palavra tupi, que significa "mulheres sem homens" ou ainda, "mulheres que ignoram a lei". Eram as índias que dominavam aquela região, rica em ouro. Na época que o conquistador espanhol Francisco Orellana desceu o rio em busca de ouro(1541), o rio era chamado de rio Grande ou rio da Canela, por existir grande quantidade dessas árvores em seu entorno. As Icamiabas, mulheres guerreiras por excelência, lutaram fortemente contra os invasores espanhóis. Ama,
a raiz da palavra, significa mãe no dialeto africano dos mosos, povoado de Moso, onde o matriarcado existiu e seu povo se autodenominava amaziyh. Em seu sentido estrito a palavra Amazonas significa "mãe" e em sentido figurado, cultura matriarcal.
Os primeiros povos a explorar a região foram os ingleses e os holandeses, instalando benfeitorias às margens da foz do rio(atuais Estados do Amapá e do Pará) para extrair madeira e especiarias, como o cravo, o urucum e o guaraná, desde 1596. Como podemos ver, a estória da devastação é antiga...!




08/11/2009

"O Medo Encarcerado"... !

Geisy Arruda, aluna do curso de Turismo da Universidade Bandeirante(Uniban), em São Bernardo do Campo(SP), hostilizada por seus colegas a ponto de precisar de cobertura policial para não ser linchada, simplesmente porque estava usando uma minissaia. O reitor da universidade, em nome "da moral e dos bons costumes" resolveu expulsá-la do quadro de alunos da faculdade, e aplicar uma suspensão para os alunos agressores! Inversão de papéis? A vítima agora é o carrasco? Usar minissaia, após 41 anos de uso, é crime? Abaixo a hipocrisia!








Trancas


Pela porta

das injustiças

entram as dores

Por esta mesma porta

entra a fome, a raiva,

a violência, o vício


Junto com eles

a morte

Inútil trancá-la


Invasiva

ela atravessa frestas

se espalha e se aloja

do lado de dentro

e do lado de fora


Já não há trancas

que possam contê-la

Ainda assim

portas trancadas

O medo encarcerado *

Nydia Bonetti
* Cometí um lapso e modifiquei a palavra, que no original é escancarado. Como a autora me deu permissão para escolher, preferí deixar como está por entender que se adequa melhor como expressão, neste caso.

01/11/2009

Luís de Góngora - Córdova, 1561-1627

Garden of words III, de Willem Boshoff, sul-africano


A una rosa

Ayer naciste, y morirás mañana.

Para tan breve ser, quien te dio vida?

Para vivir tan poco estás lucida?

Y, para no ser nada estás lozana?

Si te engañó tu hermosura vana,

bien presto la verás desvanecida,

porque en tu hermosura está escondida

la ocasión de morir muerte temprana.

Cuando te corte la robusta mano,

ley de la agricultura permitida,

grosero aliento acabará tu suerte.

No salgas, que te aguarda algún tirano:

dilata tu nacer para la vida,

que antecipas tu ser para tu muerte.

Nasceste ontem, e morrer vais amanhã.
Para tão breve ser, quem te deu vida?
Para viver tão pouco estás luzida,
e para não ser nada estás louçã?
Se te iludiu uma beleza vã,
muito em breve a verás desvanecida,
porque em tua beleza está escondida
a vez de morrer morte temporã.
Quando te cortar uma robusta mão,
norma da agricultura permitida,
grosseiro alento acabará tua sorte
Não saias, que te aguarda algum vilão;
dilata teu nascer para esta vida,
que antecipas teu ser à própria morte.