foto: br.olhares.com
A quitanda.
Muito sol
e a quitandeira à sombra
da mulemba.
- Laranja, minha senhora,
laranja boa!
A luz branca na cidade
o seu quente jogo
de claros e escuros
e a vida busca
em corações aflitos
o jogo da cabra-cega.
A quitandeira
que vende fruta
vende-se.
- Minha senhora,
laranja, laranjinha boa!
Compra laranjas doces,
compra-me também o amargo desta tortura,
da vida sem vida.
Compra-me a infância do espírito
este botão de rosa
que não abriu
princípio impelido ainda para o início.
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos
com que chorava
eu já não choro.
E aí vão vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem.
Como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas,
à beleza das ruas asfaltadas,
de prédios de vários andares
à comodidade de senhores ricos
à alegria dispersa por cidades
e eu
me fui confundindo
com os próprios problemas da existência.
Aí vão as laranjas
como eu me oferecí ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.
Tudo tenho dado.
Até mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei-a aos poetas.
Agora vendo-me eu própria.
- Compra laranjas, minha senhora!
Leva-me para as quitandas da Vida
o meu preço é único:
- sangue.
Talvez vendendo-me eu me possua.
- Compra laranjas!
Antonio Agostinho Neto, Catete (Angola) - 1922-1979
Adoro poesias da literatura africana!
ResponderExcluirImagem que casa perfeitamente!
Bela ciranda!
Beijos!
Sempre boa poesia por aqui!!!
ResponderExcluirKandandu