Rompo meu silêncio de três anos na Carta Maior por causa da minha mulher. Ela perguntou: você não vai fazer nada? Não vai participar da campanha? Eu não sou mais jornalista, respondí, sou ficcionista; não quero mais saber de política, chega, cinquenta anos sendo usado, agora chega. Ela acabara de ler a história do bispo que mandou imprimir dois milhões de folhetos contra a Dilma. Eu lembrei ter dito a ela que a Igreja Católica estava traindo, já naquele dia em que soltaram o manifesto acusando Lula de facista, com a assinatura de Dom Paulo. O pobre homem em estado avançado de Alzheimer, e arrancaram dele essa assinatura.
A Igreja não está traindo, está fazendo o que sempre fez, ela respondeu. Nós acabávamos de voltar de uma viagem à Cartagena, na Colômbia, onde visitamos o museu da Inquisição. Os instrumentos de tortura alí exibidos, de fazer o DOI-CODI sentir vergonha, ficaram gravados fundo na nossa imaginação.
Está traindo sim, está traindo em primeiro lugar porque usou um método traiçoeiro, o método das mentiras, da difamação, em segundo lugar porque está usando o dinheiro que arranca dos pobres para combater o governo dos pobres, e em terceiro lugar porque está usando uma eleição universal, republicana, para emplacar um dogma religioso, dogma dos mais nefastos, que só prejudica as mulheres pobres.
Um papa decidiu lá em Roma que o aborto é a linha divisória entre uma sociedade moderna, laica, regida pelo saber científico, e a sociedade atrasada, na qual os padres mandam na vida das pessoas e a Igreja por isso mantém seu poder. E veio a ordem, lancem a campanha contra o aborto bem no meio da campanha eleitoral. Eles são profissionais. Fazem isso há dois mil anos, desavergonhados. Os evangélicos, amadores, entraram de carona.
Agora vou falar dos envergonhados, esses que passaram oito anos disseminando mentiras sobre a transposição do São Francisco, acusando Lula de só beneficiar o agronegócio, demonizando as novas hidrelétricas, tumultuando audiências públicas em nome de índios e caboclos desprovidos de luz elétrica, obstruindo a construção de pontes e estradas que integrariam o continente, combatendo os transgênicos em nome de uma visão pré-darwiniana da natureza, esses que se condoem com gatinhos e pererecas, mas não com os meninos de rua ou os moradores de palafitas. Esses, que agora estão lançando manifesto dizendo envergonhadamente para votar contra Serra. Por que não dizem bem alto votem na Dilma?
E também essas todas, amigas minhas, da Vila Madalena, de Pinheiros, da USP, mulheres esclarecidas, emancipadas, que votaram na Marina apesar de evangélica e anti-aborto, e agora descobriram que todo o seu estado maior é formado por tucanos. Ou ainda não descobriram? A vocês todas eu digo: não se trata de derrotar o Serra ou o neoliberalismo. Tudo isso é transitório, efêmero. Trata-se de derrotar a grande conspiração obscurantista. Trata-se da luta milenar da razão contra a superstição, da tolerância contra o fanatismo, da modernidade contra o atraso.
Bernardo Kucinski, é jornalista, autor, entre outros, de "A síndrome da antena parabólica:ética no jornalismo brasileiro".
Extraído de http://agenciacartamaior.com.br/
Muito bom, Cirandeira. Sobre as portas das igrejas é que deveria ser afixada a inscrição dantesca: abandonai toda esperança vós que entrais. Mas, sinto um desalento; desconfio que a razão jamais vencerá o obscurantismo, que a estupidez jamais terá fim.É luta sem fim contra a fênix da ignorância.
ResponderExcluirBeijo.
Ah! Coisa rara ver um Wilfredo Lam na região dos blogues, tão chegada aos salvadores dali, daqui e dacolá!
ResponderExcluirMuito bom.
A "coisa" é mesmo milenar! Mas a fumaça existe,
ResponderExcluire onde há fumaça, HÁ VIDA!!!
Gostei muito de tua observação sobre os "salvadores dali, daqui e dacolá!"
Beijo