DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

10/01/2012

Monólogo interior de um e-book (trechos)



Até há pouco, eu não sabia o que sou. Nascí vazio, se é que posso me exprimir assim. Não era capaz de dizer "eu". Então alguma coisa entrou em mim, um fluxo de letras, sentí-me pleno e comecei a pensar. Naturalmente, comecei a pensar aquilo que me havia entrado dentro. Uma sensação belíssima, porque pude sentir em bloco aquilo que mantinha em minha memória, ou percorrê-lo linha por linha, ou saltar de uma página a outra.
O texto que eu era chamava-se "do livro ao e-book". É um golpe de sorte o fato de alguém, creio dever chamá-lo meu usuário ou meu dono, ter colocado dentro de mim aquele texto, pelo qual aprendí muitas coisas sobre o que é um texto. Se ele tivesse colocado em mim alguma outra coisa (aprendí a partir do meu texto que existem textos dedicados somente, digamos, ao elogio da morte), eu pensaria outras coisas e acreditaria ser um moribundo, ou um túmulo. Em vez disso, sei que sou um livro e o que são os livros.
Sou uma coisa maravilhosa: um texto é um universo, e - pelo que entendí - um livro se torna aquele texto que imprimiram nele. Pelo menos, isso acontece aos livros tradicionais, sobre os quais o meu texto narra uma história minuciosa. (...)
Imagino que, para um livro de papel, trazer impresso um texto terrível seja um inferno. Como será a vida de um livro que conta uma história de amor infeliz? Será infeliz, também ele? E se seu texto conta uma história de sexo, ele se sente em contínua excitação? É bom não poder sair nunca do texto que se traz impresso sobre as próprias páginas? Talvez, porém, um livro de papel tenha uma vida belíssima, porque a passa concentrado sobre o mundo do seu texto, e vive sem dúvidas, sem suspeitar daquilo que pode acontecer fora dele - e sobretudo sem a suspeita de que existam outros textos que contradizem o seu.

{.....}

(continuarei na próxima postagem)


Humberto Eco em A Memória Vegetal - Editora Record - 2011

2 comentários:

  1. Fui lendo e pensando em Umberto Eco, e ao final dei-me conta que o texto é dele. Muitíssimo interessante!

    =)

    ResponderExcluir
  2. Um BOM ANO de 2012

    também para si!

    Saudações minhas.

    ResponderExcluir