DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

16/11/2012

O ofício do poeta

Paul Cézanne
 
"Poeta" pertence àquela categoria de palavras que, durante um certo tempo, caíram enfermas, em desamparada exaustão: eram evitadas e dissimuladas - seu uso expunha-nos ao ridículo - e foram tão exauridas que, enrugadas e feias, transformaram-se em sinal de perigo. Aquele que, não obstante, se punha a exercer a atividade - que, como sempre, prosseguiu existindo - chamavam a si próprio "alguém que escreve".
Ter-se-ia podido pensar, então, que se tratava de renunciar a uma falsa pretensão, de descobrir novos critérios, de se tornar mais rigoroso consigo e, particularmente, de evitar tudo o que pudesse levar a êxitos indignos. Na realidade, aconteceu o contrário: os métodos para causar sensação foram conscientemente desenvolvidos e intensificados justamente por aqueles que, aos golpes, rechaçavam sem piedade a palavra "poeta" [....] Outros, porém, que não eram suficientemente estéreis para se esgotarem em uma proclamação, que  conceberam livros amargos e talentosos, muito em breve passaram a gozar de grande prestígio e, como  "alguém que escreve", faziam justamente aquilo que antes os poetas costumavam fazer: em vez de se calarem, continuavam escrevendo sempre o mesmo  livro. [.............].
O que ocorre, na realidade, é que ninguém será hoje um poeta se não duvidar seriamente de seu direito de sê-lo. Quem não vê o estado do mundo em que vivemos dificilmente terá algo a dizer sobre ele. O perigo de que é alvo, antes preocupação central das religiões, deslocou-se para o aquém. O ocaso do mundo, experimentado mais de uma vez, é visto com frieza por aqueles que não são poetas; alguns há que calculam suas chances de fazer disso o seu negócio e engordar cada vez mais com ele..[...........................................].
Talvez valha o esforço refletir se nesta situação do mundo existe algo por meio do qual os poetas, ou aquilo que até o momento se considera como tal. possam fazer-se úteis. De qualquer modo, apesar de todos os reveses que a palavra "poeta" sofreu, algo restou de sua pretensão. A literatura pode ser o que for, mas uma coisa não é - assim como não o é a humanidade que a ela ainda se agarra: a literatura não é algo morto. No que consisitiria então a vida daquele que hoje a representa? O que teria para oferecer?
 
Elias Canetti,  trechos do discurso proferido em Munique, em 1976. É autor de vários livros, entre os quais Auto de fé, A língua absolvida, Uma luz no meu ouvido, O jogo dos olhos.(trilogia autobiográfica) Em 1981 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Nasceu na Bulgária, mas aos 6 anos foi com a família para a Inglaterra, mudando-se mais tarde para Viena. A partir de 1938 passou a viver entre Londres e Zurique para fugir do nazismo. (1905-1994)
 


5 comentários:

  1. Gostaria de ler o discurso inteiro, Ci. Traduz tanto do que sentimos, não é? "Alguém que escreve"...é curioso isso. No fundo o poeta duvida de sê-lo. Nunca sabe. Alguém que escreve... Estou aqui a pensar. Todos os que escrevem deveriam ler isso.

    Beijos,

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    1. Tânia, gosto muito de ler o que escreve
      Elias Canetti. Vou tentar enviar pra ti o
      discurso dele, inteiro. Pode aguardar!

      beijoss

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  2. o ofício do poeta é tanto um tão de coisas, cirandeira.
    e trata-se de uma ofícios mais difíceis que há no mundo.

    beijão,
    r.

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    1. Ser humano, já é difícil!
      Poeta, então :)

      beijão, Roberto

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  3. Ci,

    Não sei dizer, mas sei que preciso da poesia para acalentar e abocanhar a vida.
    Sempre...

    Beijoss

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