DE CHARLES BUKOWSKI (1920-1994)

Arder na água, afogar-se no fogo. O mais importante é saber atravessar o fogo.

23/12/2012

O último voo do poeta Lêdo Ivo







 
Planta de Maceió
 
 
O vento do mar rói as casas e os homens.
Do nascimento à morte,
 os que moram aqui andam sempre cobertos
 por leve mortalha de mormaço e salsugem.
 Os dentes do mar mordem, dia e noite,
 os que não procuram esconder-se no ventre dos navios
e se deixam sugar por um sol de areia.
Penetrada nas pedras,
 a maresia cresta o pêlo dos ratos perdulários que,
 nos esgotos, ouvem o vômito escuro do oceano esvaído em bolsões de mangue
e sonham os celeiros dos porões dos cargueiros
. Foi aqui que nasci,
 onde a luz do farol cega a noite dos homens e desbota as corujas.
A ventania lambe as dragas podres,
entra pelas persianas das casas sufocadas e escalavra as dunas mortuárias
onde os beiços dos mortos bebem o mar.
Mesmo os que se amam nesta terra de ódios
são sempre separados pela brisa que semeia a insônia nas lacraias
e adultera a fretagem dos navios.
Este é o meu lugar,
 entranhado em meu sangue como a lama no fundo da noite lacustre
. E por mais que me afaste,
 estarei sempre aqui e serei este vento
 e a luz do farol, e minha morte vive na cioba encurralada.
 


******


 

A queimada

 
Queime tudo o que puder :
  as cartas de amor as contas telefônicas
o rol de roupas sujas as escrituras e certidões
as inconfidências dos confrades ressentidos
a confissão interrompida
o poema erótico que ratifica a impotência e anuncia a arteriosclerose
os recortes antigos e as fotografias amareladas.
Não deixe aos herdeiros esfaimados
nenhuma herança de papel.
Seja como os lobos :
 more num covil e só mostre à canalha das ruas os seus dentes afiados.
Viva e morra fechado como um caracol.
Diga sempre não à escória eletrônica.
Destrua os poemas inacabados,os rascunhos,
as variantes e os fragmentos
que provocam o orgasmo tardio dos filólogos e escoliastas.
Não deixe aos catadores do lixo literário nenhuma migalha.
Não confie a ninguém o seu segredo.
A verdade não pode ser dita.



****** 
 
 
O voo dos pássaros
 
Os áridos pássaros que mudam as estações
não vieram nunca, embora eu os esperasse.
Acaso falam os homens do que viram?
Silenciosos são os lábios dos homens.
Grito ou palavra de amor não comovem
as pedras empedernidas pelo tempo.
Eram secos pássaros.
E o céu, que é plumagem, crepita.
Nem nos que voam nem nos que permanecem.
Não me demorei sobre nenhum pássaro.
Voando, eram a velha canção da infância morta
para mim, que sempre vi o que não existe
e eternamente verei o que jamais existirá.
Em voo, como os anos, a vida, o tempo...
Nada imaginei que pudesse ser admitido
pelos que não entendem uma teoria de pássaros.

 
LÊDO IVO,  poeta, romancista, cronista, ensaísta e tradutor, nasceu em Maceió(AL), em fevereiro
de 1924, e faleceu em Madri (Espanha), na madrugada de 23-12-2012 aos 88 anos de idade.


4 comentários:

  1. Não conheço o poeta, mas o profundo respeito do post é convite irrecusável.

    (Pelo que vejo no template, a cidade de Maceió é linda!)

    Um Feliz Natal, Ci!

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    1. AC, te desejo, mais uma vez, um Feliz Natal e um 2013 de muita paz e alegrias!!

      Maceió é realmente uma cidade muito bonita, vale a pena conhecê-la !

      beijos :)

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  2. Uma estrela se apaga sempre que morre u poeta ou uma estrela se acende nos céus? Não sei. Bem, mas estou em recesso nos blogues, e passei para te deixar um abraço, lembrando sempre que você é uma pessoa muito especial.

    Beijos,

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    1. Você é também uma pessoa muito especial pra mim, Tânia, e fico sempre orgulhosa
      e privilegiada por merecer sua atenção e
      seu carinho. Agradeço, de coração, estar
      usufruindo muito desse intercâmbio entre
      nós!

      um grande abraço e
      beijos mil!!!

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