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Naquela noite, em meu quarto de hotel, vendo no espelho minha triste figura, fui dizendo para mim mesmo que no início do século 21 - pensava eu, como se vê como um livro aberto já - a literatura não respirava nada bem, apesar do otimismo irresponsável de alguns. A literatura, disse-me, está sendo acossada, como nunca o tinha sido até agora, pelo mal de Montano, que é uma perigosa doença de mapa geográfico bastante complexo, pois é composta das mais diversas e variadas províncias ou zonas maléficas; uma delas, a mais visível e, talvez, a mais populosa, em todo caso a mais mundana e a mais estúpida, acossa a literatura desde os dias em que escrever romances se converteu no esporte favorito de um número quase infinito de pessoas; dificilmente um diletante se põe a construir edifícios ou, logo de saída, fabrica bicicletas sem ter adquirido uma competência específica; sucede, ao contrário, que todo o mundo, exatamente todo o mundo, sente-se capaz de escrever um romance sem nem sequer ter aprendido os instrumentos mais rudimentares do ofício, e sucede também que o vertiginoso aumento desses escrevinhadores terminou por prejudicar gravemente os leitores, afundados hoje em dia numa notável confusão.
[...] Nessa noite, em frente ao espelho que refletia minha triste figura, acabei concentrando meus pensamentos na província mais mundana e estúpida do mal de Montano da literatura, e disse a mim mesmo que não era uma zona geográfica com poucos anos de existência, pois na realidade Milton, por exemplo, já falava dela quando dizia ter visitado uma nebulosa zona cinzenta, uma província cujos habitantes se dedicavam, por hábito, a triturar a elegância do espírito e as mais nobres correntes da tradição literária.
Enrique Vila-Matas em O mal de Montano
MUCHAS GRACIAS POR COMPARTIR TEXTOS TAN INTERESANTES.
ResponderExcluirABRAZOS