Por puritanismo, rede tira do ar página com milhares de textos e imagens, e mais de 30 mil seguidores. Ação, voltada contra corpo feminino, ofende primavera das mulheres
Do coletivo do Teatro Oficina
No domingo de manhã (7), todos os perfis pessoais dos administradores da página oficial do Teatro Oficina, receberam o seguinte comunicado:
“A sua página ”Teatro Oficina Uzyna Uzona” foi removida por violar nossos Termos de Uso. Uma página do facebook é uma presença distinta usada unicamente para fins comerciais ou promocionais. Entre outras coisas, Páginas que incitam o ódio, são ameaçadoras ou obscenas não são permitidas. Páginas que atacam um indivíduo ou grupo ou que são criadas por um indivíduo não autorizado também são removidas. Se a sua Página foi removida por algum dos motivos acima, ela não será reintegrada. A continuidade do uso incorreto dos recursos do Facebook pode resultar em perda permanente se sua conta.”
A página da companhia havia sido retirada do ar na quinta feira (4), pela denúncia anônima de uma foto, publicada em fevereiro, que mostrava uma mulher sem camisa, com mamilos de fora.
A
administração do Facebook ofereceu a possibilidade de contestação e recomendou que fosse retirado todo o conteúdo que contivesse nudez antes de clicar em “contestar”, advertindo, no ato, a possibilidade de ficarmos sem a página definitivamente.
Esse protocolo foi seguido, apenas para que recebêssemos outro aviso, pedindo que tivéssemos paciência enquanto era analisada a conta.
O resultado, na manhã seguinte (7), foi a extinção da página, com mais de 33 mil curtidas.
Entendemos que o Facebook é uma empresa privada, que possui seus termos de conduta. Mas questionamos o tribunal que interpreta as fotos e fatos como pornografia.
A Oficina Uzyna Uzona existe desde 1958. É a companhia de teatro há mais tempo em atividade ininterrupta do país, sempre renovando sua linguagem estética a partir do tempo presente. O corpo sempre foi protagonista nas encenações.
A nudez, nesses anos de existência, esteve presente sob diversas interpretações: nudez no nascimento de personagens em inúmeros espetáculos; nudez na morte de personagens – como na cena do IML com os cadáveres nus de Celeste, Leleco e Boca de Ouro, na peça de Nelson Rodrigues; a nudez erotizada de Bacantes; a nudez da descoberta do corpo índio em Macumba Antropófaga, quando o público era convidado a tirar a roupa e simplesmente ficar nu, despido das roupas – o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior.
A liberdade do corpo é um dos principais vértices deste trabalho, que é tombado como patrimônio histórico e artístico pelo IPHAN.
Não fazer distinção entre arte, liberdade do corpo e conteúdo pornográfico demonstra uma cultura muito limitada por parte dos gestores da comunidade Facebook.
Com seus mais de 30 mil fãs, a página era um importante canal de comunicação da companhia e de seu espaço — o Teatro Oficina, eleito pelo jornal inglês The Guardian como o melhor teatro do mundo.
A grande maioria dos seguidores era composta pelo público que nos assistiu presencialmente em espetáculos na sede no bairro do Bixiga ou em viagens pelo Brasil e pelo mundo e também formada por grande público virtual que assiste nossas transmissões online.
Além do papel fundamental de divulgação dos espetáculos e eventos do teatro, nesse momento em que cada vez há menos espaço nos jornais impressos dedicados à cultura, nossa página é também um importante canal de difusão de conteúdo de Antropofagia, e dos temas presentes nas montagens.
A retirada da página aconteceu no dia de estreia de Paranoia, espetáculo em que Marcelo Drummond phala a poesia de Roberto Piva, incorporando o poeta. O evento da temporada, que desapareceu com a página, tinha mais de 1000 pessoas confirmadas e interessadas e era uma timeline com conteúdo dedicado a esse poeta, com trechos de poemas, vídeos do autor, imagens relacionadas… Era um canal dedicado ao teatro e à literatura.
O corte seco da censura deflagra uma violência enorme, de pensamento único, contra os próprios corpos, contra a arte, contra a liberdade. Nesse momento onde é viva a primavera feminina e feminista, onde se questiona a cultura do estupro e a liberdade do corpo da mulher, é um retrocesso gigantesco suspender o canal por causa dos mamilos femininos.
Portanto, pedimos ao Facebook que reveja sua posição e coloque no ar novamente a página do Teatro Oficina:
https://www.facebook.com/teatroficina
Enquanto não volta a nossa página, curta o perfil da Universidade Antropófaga, por onde também reverberamos nossos corpos, pensamentos e potências.
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